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segunda-feira, abril 11, 2005

Exercício de liberdade

Pois é,

Escrevo muito. Relatórios e projetos técnicos, além de algumas incursões na seara do Direito e, atualmente, duas monografias para duas especializações que faço. O blog, no entanto, é um verdadeiro exercício da arte de escrever. Certos temas merecem o desenvolvimento de verdadeiras teses, com mais de 500 páginas, o que é impossível nesse tipo de espaço: por mais bem escrito, pouquíssima gente teria tempo e saco para tanto. O exercício da concisão é pior que uma sessão dessas ginásticas modernas (no meu tempo era polichinelo, apoio, abdominais e meia dúzia de outros, tudo sem essa barulheira que chamam de música).

Outra dificuldade: escrever sem escrever aquilo que todo mundo já sabe, isto é, não ficar dando definições como se só a gente soubesse daquilo (no meu dicionário dá-se o nome, a isso, de "sujeitinho pretencioso e arrogante, não?"). Por outro lado, e se muita gente não sabe? O equilíbrio. Equilíbrio e concisão. Dizer algo de novo pra quem já sabe (difícil, né?) e algo de novo para quem não sabe (fácil, né?). Equilíbrio. Concisão sem perder de vista a amplitude.

Deveria parar por aqui, mas vamos lá. Exercício só se faz exercitando...

O tema que anda na vitrina da blogosfera, e magistralmente proposto pelo pessoal da Verbeat (clica e vai lá dar um olhada), merece um bom calhamaço.

Falar de liberdade é falar de propriedade, conceitos diametralmente opostos. A propriedade foi inventada para acabar com a liberdade (eis algo que todos já sabem. Ou não?). O Direito foi inventado para proteger a propriedade e não a liberdade (aqui, muita gente pode pensar diferente), embora, eufemisticamente, todas as constituições digam o contrário (a nossa, lá no caput do art. 5º, garante a liberdade junto com a propriedade como direitos fundamentais).

O direito autoral surgiu num mundo sem internet, como mais uma das tantas formas de proteger a propriedade. Mudou o mundo, surgiu a internet e as pessoas continuam querendo proteger suas propriedades. Mas querem, no entanto, liberdade.

A internet, salvo melhor juízo, foi desenvolvida como, e é, a expressão máxima da liberdade. Como querer que governos não tentem controlar a internet se as próprias pessoas que publicam na internet vigiam a sua propriedade? A primeira coisa que fazem é colocar o selo da Creative Commons e disclamers, como se fossem processar todos os que copiassem seus posts sem citá-los. Querem liberdade de escrever e publicar na internet, mas querem a propriedade dos seus escritos, num meio cuja essência é a liberdade. Querem lucrar com suas idéias. Propriedade na sua mais pura concepção.

Ora, frente a uma verdadedeira possibilidade de mudança de paradigma, o que fazem as pessoas que publicam seus escritos nos blogs? Agarram-se ao milinar conceito de propriedade: "Eu escrevi isso; a idéia foi minha!". E por aí vai. O que importa mais: a idéia em si, posta para a humanidade, ou a propriedade da idéia? Se não me falha a memória, 50 anos (ou algo parecido, não faz diferença) após a morte do autor é o tempo de reserva da propriedade dos direitos autorais. Qual a diferença entre hoje e daqui a 50 anos? Absolutamente nenhuma. E saem por aí a escrever posts sobre solidariedade, sobre como é ser ético, falando do Papa, do Bush, sem olhar para o prórpio rabo que está a cobrar os direitos autorais. Igualzinho a esses todos.

Já escrevi aqui que a hipocrisia é a pior espécie de manifestação do ser humano. Querer liberdade e propriedade ao mesmo tempo é a mais pura forma de hipocrisia.

Liberdade dá trabalho. Quem publica um blog tem o dever de ler, minuto a minuto o que escrevem nos comentários.

- Chato?
- Sim?
- E como é que vou comprar o leitinho das crianças se abrir mão dos meus direitos de propriedade?
- Seja criativo. Liberdade, meu caro!

Tenho visto inúmeros blogs avisando o óbvio: "se você escrever maldades, lembre-se, eu posso deletar". Medo, mais uma vez, de processos judiciais. Esquecem que é da natureza do blog vigiar o que é escrito nos comentários. Nada de mais. "ah, se eu tiver que ficar cuidando tudo o que escrevem, eu desisto!". Tá certo, deveria desistir. Quem dá uma folha em branco assinada para outrem, tem mais é que desistir se fica reclamando depois.

Mas vamos ao que interessa: o que devem querer mudar é o Direito existente sobre o assunto. Lutar para que sejam criadas novas regras para algo novo, e não ficar se debatendo em meio ao já existente, feito no tempo do Onça. Contratar bons advogados, que tenham visão de futuro, e não os que escrevem regras para defender a propriedade. Disso já temos muito. Precisamos de advogados que inovem, que criem nos tribunais. O Direito é vivo, feito pelas mãos dos que arriscam, não dos que acatam o que está posto. Não nas mãos daqueles que dizem "coloca um aviso no teu blog, ao menos conseguimos livrar um pouco a tua cara, se der processo!".

E também, e quase que principalmente, de escolher seus representates no parlamento. Quem vota em boçal que cria o Dia da Mandioca (e outros afins) só pode esperar que um dia proponha leis contra a liberdade de publicação na internet. Contra tudo aquilo que defendem os que se defendem na internet. Depois não vão reclamar.

Eu não defendo. Minhas idéias não são minhas. Eu morro, elas ficam! Sejam boas, sejam grandes obras literárias, ou sejam uma porcaria.

Querem liberdade de publicar na internet? Querem que ninguém vigie ou controle? Abram mão da propriedade!!! Difícil, né?

- Querem ter duzentos comentários? Querem que seus posts sejam copiados e colados?
- Sim, queremos. Mas também queremos que digam que fomos nós que escrevemos!
- Ora, pois!

Na verdade, querem blogs que sejam livros; querem publicar aqui no Brasil e processar um japonês que copiou! Orgulhoso por ter sido copiado, ou indignado por não ter sido citado?

Vou contrapor meus amigos da Verbeat (fazer o quê?):

"Não há quem não conheça a palavra "liberdade". Mas, sozinha, ela quer dizer muito pouco; liberdade precisa de um objeto para o qual ser livre. Ela surge de algo que cerca, cerceia. Conquistamos nossas liberdades à medida em que conhecemos seus contrapontos; e é preciso reinventá-las todos os dias."


Liberdade não precisa de um objeto para o qual ser livre. Ao contrário: a liberdade é tão algo em si mesma, que foi necessário criar a propriedade para cerceá-la. A liberdade não suge de algo que cerca, cerceia; a propriedade é que surge após a liberdade para cerceá-la.

Liberdade ou propriedade? Que cada um faça a sua escolha.


clica e vai lá