CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

quarta-feira, abril 06, 2005

Cartas

Pois é,

Amantíssima,

Espero que esta te encontre na mesma graça que havia quando parti: plena de saúde e de felicidade. Devo admitir, no entanto, que partilho da saudade que deves estar sentindo, pois o mesmo sentimento em mim se avoluma.

A viagem foi ótima. Como sabes, prefiro o caminho do meio, embora seja um pouco mais longo. Tem menos movimento, menos caminhões, sem falar que a paisagem é imensamente mais bonita. É uma estrada calma, tranqüila, o que torna a viagem segura, pois é impossível sentir vontade de correr. A subida da serra serpenteia o Vale do Taquari e lembro-me de ti a cada curva sinuosa, pois sei que enjoas em estradas com muitas curvas. Mas devo dizer-te, que, nesse aspecto, essa estrada é uma perfeita representação de como a engenhosidade humana pode se aliar a natureza: as curvas acabam por pertencer às montanhas; dão-nos a impressão de estarmos caminhando por trilhas feitas na mata.

Ao início passamos por uma linda ponte de pedra sobre o Rio Taquari, na pequena e graciosa Muçum, suporte que foi um dia dos trilhos que levavam os trens para as cidades do planalto central. Fico a lembrar das nossas viagens de Maria Fumaça para passeios no pequeno pedaço da Itália que temos aqui no Estado. Lembra das vezes em que colocavas, perigosamente, a cabeça para fora da janela, ignorando os avisos de que as pontes metálicas poderiam deixar-te sem cabeça? E que eu dizia aos guardas que não ficassem preocupados, pois nunca havia visto alguém perder aquilo que não possuía? Se pudesses ver-me agora, verias que estou rindo, tanto quanto ria ao ver o olhar de espanto que se traía na face dos guardas. É uma pena que hoje não se possa mais fazer passeios como aqueles. Asfalto, caminhões e loucos correndo, como se dez minutos a mais para chegar fosse torná-los mais felizes. Felizmente essa estrada ainda está livre disso. Dos loucos.

O viaduto 13, em Vespasiano Corrêa. Um dos mais antigos e lindos viadutos do Estado. Vale a pena desviar-se alguns quilômetros do caminho só para vê-lo. Próximo a Guaporé, um belvedere descortina o horizonte em meio à serra. Perde-se a vista diante de tanto verde. É parada obrigatória. Recarrega as baterias, como dizem hoje em dia. Faz-nos lembrar que há algo mais nessa vida do que o que vemos nos jornais e na televisão. Em noites claras, de céu aberto e límpido, é possível ver as luzes de todas as cidades da serra gaúcha, cintilando e fazendo coro com as estrelas. Impossível correr nessa estrada, como disse.

Nosso maldito inverno manda seus mensageiros avisar que está próximo. Faz frio por aqui. Talvez nem tanto, se olharmos para o termômetro, mas me conheces: qualquer valor abaixo de 25 graus provoca-me arrepios. Por sorte tenho seguido teus preciosos conselhos e trouxe o pullover que carinhosamente deixaste dobrado em cima da cama.

Já te disse, anjo, que de todas as cidades do interior do nosso Estado, a única pela qual trocaria nossa amada Porto Alegre, era Passo Fundo. E bem sabes que tenho conhecido inúmeras cidades, nessas minhas andanças. Confesso que nunca entendi a razão de tal sentimento. Pois não é que hoje, ao entrar na cidade pela quarta vez, descobri, assim por acaso, a razão? Talvez o outono tenha dado a ela um toque inigualável. É que, de todas as cidades, Passo Fundo é a que mais se parece com Porto Alegre. Chega a confundir-se com um bairro qualquer de Porto Alegre. É esse o sentimento que tenho, o de estar em casa. E só não é completo porque não estás aqui comigo.

Bom, minha querida, devo resguardar-me, pois amanhã, as razões que aqui me trouxeram deverão preencher meu dia.

E como estão nossos filhos? Joseph Afonso segue bem as instruções que deixei para que te cuide sem descanso? Naná tem dormido contigo? E os meninos? Aprontam muito ainda? Cuida bem do tesouro que carregas. E lembre-se: não te esforces mais do que o necessário. O que poupares hoje, será a energia do nosso filho amanhã.

Do sempre teu,


- Afonso!!!
- Hummmm.
- Afonso, acorda! Tá na hora!
- Hein? Que tu estás fazendo aqui?
- Como assim, o que estou fazendo aqui! Eu durmo nessa cama todos os dias. E levanta logo, que tens que viajar para Passo Fundo!
- Ãnnnhhhh???