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sábado, abril 16, 2005

Gerações, mídia e liberdade

Poie é,

Interessante. Já estava dando por acababa essa história de gerações. Cresci ouvindo dizer que as gerações contavam-se a cada 25 anos, que era quando o filho torna-se adulto e passava a conviver "de igual" com os pais. O que diferenciava as gerações era o fato de que os não-adultos só poderiam fazer certas coisas depois de se tornarem adultos. O mundo foi mudando, as revoluções culturais, e a informática/internet/comunicação/globalização acabou com o conceito de gerações. Minha filha adolescente tem acesso a todas as mesmas coisas que eu; faz as mesmas coisas que eu. Se eu tenho salário, ela tem pensão; o que lhe dá completa independência financeira, inclusive. Tem fotolog e escreve um monte por lá, tá certo que na língua dela (antigamente eram os filhos que lutavam para entender as palavras bonitas ditas pelos pais; hoje eu tenho que "me virar" para entender o que ela escreve).

Já tinha dado por acabada essa história de diferença entre gerações, quando descubro que ela ainda persiste. E persiste num ponto que também pensava já ultrapassado: o debate de certos temas.

A ditadura brasileira (não sei das outras, mas imagino que tenha sido o mesmo) precisava eliminar - como, de resto, qualquer ditadura precisa - a inteligência existente no país, que seria a única coisa capaz de opor-se consistentemente ao regime. Usando da força não conseguiu. Prender intelectuais, artistas, pensadores, compositores, e expulsar outros tantos, não estava resolvendo; censurar também não. As pessoas continuavam pensando fora do país. A metáfora tomou conta do país: "pai, afasta de mim este cálice... de vinho tinto de sangue".

Tornava-se urgente descobrir um modo de eliminar a inteligência. Como se faz? Ora, inteligência, via de regra, mas não necessariamente, pressupõe informação. O que se faz, então? Cria-se a ignorância, no bom sentido (?). Suprime-se a informação - ou, ao menos, a informação que seja capaz de ser processada contra a ditadura - e a inteligência tenderá ao zero. Foi o que fizeram. E como?

Duas vertentes básicas: reforma do ensino e comunicação de massa.

A reforma de 1972 foi feita com esse propósito. Claro que diziam que era necessária para modernizar o país, etc., etc... e muitos et coeteras mais. No entanto, eliminaram dos currículos escolares matérias como a Filosofia, a Lógica e introduziram, na Matemática, absurdos como a Teoria dos Conjuntos antes mesmo das crianças aprenderem quanto é dois mais dois. Sem falar nas línguas: eliminaram o latim e o francês (que era a língua opcional) e introduziram o inglês como língua obrigatória. Os livros de história, hoje, tem mais figuras do que textos (pega qualquer um numa livraria, vai. Vai lá e vê). Tudo exatamente feito para eliminar a capacidade de formar pensamentos. Numa época em que o Brasil tinha menos doutores e mestres do que os que existiam apenas nos laboratórios da IBM, inventaram a formação técnica especializante. Não foi à toa. Era preciso formar uma massa de trabalhadores não pensantes. Nas universidades inventaram o "básico", com cadeiras (até isso mudou, passou a ser disciplina, blerghhh, nunca me acostumei com isso, além, é claro, da conotação militarista que essa palavra tem) tipo EPB (Estudos de Problemas Brasileiros, pra quem possa não saber) onde se estudava de tudo, menos os problemas brasileiros. Enfim, o primeiro passo havia sido dado.

Quanto menos conhecimento se tem, menos conhecimento se produz e menos conhecimento se transmite. Básico.

O mais interessante vem agora: nos Colégios Militares o currículo não foi alterado (ao menos até 1975). Aprendi tudo, pois estudei num deles. Claro, era preciso, ao mesmo tempo, formar bons sucessores.

Entrei na universidade pública em 1976 e ainda não saí de lá. De lá para cá fiz quatro cursos. Portanto, acompanho de perto a involução do conhecimento dos estudantes brasileiros. Não falo por falar. Falo de acompanhar, de ser obrigado a fazer trabalhos em grupos. De ter que debater com eles. E vejo, também, a queda vertiginosa da qualidade dos professores. Vivencio isso diariamente há 29 anos. E não como professor; como aluno. Sei do que falo. Faço duas especializações, uma na PUCRS e outra na FGV. Há temas comuns. Percebe-se claramente a diferença de qualidade tanto dos professores quanto de conteúdo.

A segunda vertente era originária do velhos tempos franceses: ao povo, pão e circo. Pão havia, faltava o circo. Qualquer anuário do IBGE mostra que o item de infraestrutura que mais investimentos recebeu da ditadura foi o das telecomunicações. Não porque era preciso conectar o Brasil (e diziam que era por uma questão de "geopolítica"), mas porque precisavam "comunicar" a ideologia a todos os cantos do país. E precisavam ignorantizar o maior número de pessoas no menor espaço de tempo (pobre Einstein!) possível. O que fizeram? Entupiram um tal de Roberto Marinho de dinheiro para que fizesse, de forma que parecesse uma "iniciativa privada", aquilo que eles precisavam: dar o circo ao povo. Paralelo a isso, destruiram as grandes corporações existentes até então e que poderiam representar perigo. Despiciendo (palavrinha bonita utilizada pela corporação de ofício dos jurisapientes) citar quais.

É algo incrível a transformação da mídia brasileira nessa época. Jornais, rádios e televisão sofrem uma metamorfose: de centros de arte e informação, transformam-se em centros de propagação da ignorância. Concessões de jornais, rádios e televisões eram distribuídas para quem se propusesse a propagar a ignorância junto com as idéias do governo. Jornal Nacional, Fantástico, novelas e, o mais importante, programas infantis imbecilizantes.

Mas ainda faltava uma coisa: o marketing, que depois virou publicidade e propaganda (sem entrar, por favor, em discussões filosóficas sobre as diferenças entre uns e outros). De algo que servia para vender produtos, esse negócio acabou sendo a maior arma jamais criada pelo ser humano. Passou a vender o principal produto da ditadura: a ALIENAÇÃO.

Reforma do ensino e comunicação de massa aliada a publicidade, conseguiram o que eles queriam: uma geração ALIENADA.

Tá certo. Não disse até agora nehuma novidade. Espero que esteja tudo nos livros. A diferença existe entre viver e ler sobre viver. E aí vem a questão: naquela época esses temas que parecem "tão atuais", já eram debatidos, discutidos à exaustão. O que escrevi é tão velho quanto eu. A diferença está em que, passada uma geração ALIENADA, o tema ganha força como se fosse novo. Mudaram as moscas...

A mídia moderna FOI desenvolvida para isso. Foi desenvolvida para sentir-se a dona exclusiva da verdade. Era a única maneira de manter o povo na ignorância. Imaginem alguém passar vinte anos repetindo que diz a verdade. Se tiveste a formação dada por eles, vais acabar acreditando piamente nisso. E aí, quando eles te dizem que são o quarto poder; quando eles te dizem que isso ou aquilo é como eles querem, teu cérebro já deformado de tanto assistir ao Jornal Nacional e às novelas da Globo (ou o que é bem pior, as porcarias mexicanas do SBT) acaba acreditando. Perdeste a capacidade de análise, de crítica.

Vi nascer o Jornal Nacional, o Fantástico e a transformação das novelas.

Ei! Esperem. Só tenho 47 anos.

Isso é o que fizeram. Alienaram uma geração inteira. É por isso que esse debate sobre liberdade de imprensa, quarto poder, mídia alternativa, blogs, etc., volta com força. Uma nova geração, não mais no conceito antigo, retoma a capacidade de análise; retoma a capacidade de pensar. E quando retoma o que vê? Vê que a máquina alienante, montada há trinta anos, ainda funciona; e bem, pois reproduz-se para os filhos dos filhos...

Essa nova geração percebe, no entanto, que possui novas ferramentas. Só penso que não deveriam perder tempo:

1. com debates sobre o que seja liberdade de expressão, democracia e similares. Isso é velho e batido;

2. com debates sobre o que é tradicional e o que é alternativo (isso é coisa do tempo do Pasquim, lembram?). Isso é velho e batido;

3. escrevendo posts contra pensadores reacionários (outra palavrinha usada naquela época). Deixem o Sr. Olavo, e outros tantos, prá lá. Isso é velho e pode virar patrulhamento ideológico ( ih, isso também é velho...). Se querem liberdade de expressão, respeitem a deles. Um dia eles morrem.

4. entrando na deles, isto é, fazendo da internet uma arma para ignorantizar.

Traduzindo: correm o risco de ficar fazendo a mesma coisa que já se fazia há trinta anos. Só mudou a mídia. Agora é pela internet.

O espaço é novo; façamos algo novo e não debates velhos.

Ps.: A Globo e seus programas são citados apenas como paradigams. O que foi dito vale para qualquer outra.