CLARISSA
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domingo, abril 17, 2005

Física, Budismo e liberdade

Pois é,

Enchi! O que quer que queiram (putz, quatro q's! Troquem os quatro por um 's', de saco!). Há dez anos me pergunto o que levaria um grande físico a trocar a Física pela religião, especialmente o Budismo.

Em 1978, no auge do programa nuclear brasileiro, quando Geisel resolveu assinar o tratado com a Alemanha, dispensando os americanos, estava no segundo ano do curso de Física, na UFRGS. Era momento de definir rumos: ou me enfiava no diretório acadêmico, ou estudava. Se optasse por estudar, deveria escolher, desde logo, alguma área de pesquisa. Já era monitor das disciplinas básicas (comecei cedo minha vida acadêmica: no terceiro semestre). Talvez por influência da questão nuclaer, optei pela Física Nuclear. Fiz todas as disciplinas possíveis e até as impossíveis para um estudante de segundo ano. Fiz um monte de cursos extracurriculares. Num deles fui aluno de Alfredo Aveline (eu era monitor da esposa dele, também professora da faculdade; fácil conseguir vaga). Aquelas coisas me fascinavam: a fissão e a ainda pouco falada fusão. Entremeado aos estudos das demais matérias.

Alfredo Aveline tornou-se, por um bom tempo, meu ídolo. Mas, como tudo nessa vida, terminou. E terminou quando, do microcosmo, parti para o macrocosmo. Descobri a Astronomia e, logo após, a Astrofísica. (Um pouco depois, descobri a sala do diretório acadêmico, o que me afastou por algum tempo de tudo, mas isso já é outro post).

Do infinitamente pequeno ao infinitamente grande. Entender a grandeza do Universo, naquela época, tornou-se mais importante do que entender a grandeza do Universo. Enveredei pela Astrofísica pensando que seria nas grandes dimensões que encontraria as explicações. Pode parecer simples pra quem olha de fora e não está envolvido na experiência do sentimento de poder. Sim, poder. A ciência é um poder. Não sei como andam as coisas hoje em dia, mas naquela época, ser estudante de Física e, especialmente, de Astrofísica, fazia da gente uma espécie diferente, reverenciada por familiares, amigos e desconhecidos. Todos babavam diante de explicações que, para mim, já eram banais.

Cheguei a publicar alguns papers em revistas internacionais antes de jogar tudo para o espaço, sem trocadilho. Nem o micro, nem o macro. Passei a achar que as explicações estavam nas pessoas. E fui procurá-las. Primeiro na noite, que é onde elas se mostram (descobri, que enquanto passava noites e noites pesquisando as estrelas no céu, meus amigos tratavam de comer as estrelas da Terra); depois no dia, que é onde elas se mostram. Enveredei para o caminho das organizações. Fiz Administração. Antes, ainda como um resquício de apego à ciência, fiz computação e trabalhei muitos anos como Analista de Sistemas. Mais tarde fui buscar no Direito alguma explicação. Grande decepção. O Direito, mais do que regular a vida em sociedade, é a arma opressora por excelência.

Foi quando fiquei sabendo que o Alfredo Aveline havia abandonado a Física (como objeto de trabalho) e dedicava-se ao Budismo, vindo a tornar-se o primeiro Lama brasileiro (com um templo em Viamão/RS). As velhas questões físicas e metafísicas voltaram. Mas como? Como é que uma rara inteligência abandona tudo e vai viver orando e tocando sininho pro resto da vida? Embutido nessa pergunta está, claro, a minha total ignorância do que seja o Budismo (ler sobre, eu leio, mas isso não me torna menos ignorante).

Confesso que, num primeiro momento fiquei decepcionado. Meu antigo ídolo havia pirado de vez. Pensei: ainda bem que saí dessa a tempo. Fiquei pensando um pouco mais para ver se a ficha dava um jeito de cair. E caiu.

Depois da viagem pelas três ordens de grandeza do universo, o micro, o macro e o universo das pessoas, penso ter descoberto o que levou o Aveline a mudar: a liberdade. Não a liberdade de fazer o que quiser, ou a liberdade formal do Direito, mas a liberdade que é a essência do ser humano. A liberdade de sentir e pensar. A liberdade de ser dentro de nós mesmos. As outras "liberdades" não são liberdades, são atributos derivados das relações humanas, portanto, não do homem. A única liberdade do homem é que que está em cada um.

É a essa liberdade que a mídia procura atingir quando tenta ignorantizar as pessoas, quando tenta tirar-lhes a capacidade de sentir ou pensar.

E é das outras liberdades que a Declaração Universal dos Direitos Humanos fala, quando diz, no preâmbulo, que "o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade". A liberdade não tem fundamento, ela É o fundamento de tudo o mais. É essa liberdade que está por trás do texto do art. 1º: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade" (os direitos já são derivados das relações humanas).

A internet é, até agora, a ferramenta da liberdade. Certamente nenhum outro meio de divulgação aceitaria publicar esse texto. E esse texto expressa a minha liberdade, pois é o meu pensamento. Seja lido ou não, sou eu. E é assim com o blog de cada um: é cada um e sua liberdade. Se antigamente já não era possível eliminar a liberdade de pensar e escrever (bem que a Igreja e os Estados tentaram e ainda tentam), pois os livros acabavam circulando, imaginem com a internett, onde sempre será possível encontrar uma forma rápida de burlar a vigilância. A força da internet está em ser inter net.

Por isso escrevi no post anterior que não penso em gastar meu tempo lutando contra "inimigos". Penso apenas em escrever cada vez mais, usar cada vez mais esse espaço, usar as energias para fortalecer esse espaço e não para derrubar o "inimigo". Deixa ele lá. Concentrar energias na liberdade e não em quem acha que pode me fazer parar de pensar e sentir.

O homem é livre e sempre será livre. Bueno, isso aqui é só um post, não uma tese sociofilosoficadeumchatometidoabesta...

Hoje, depois de muitos anos transitando pelo mundo dos mortais; por um mundo que depende de governos e de severinos para tentar levar uma vida com um pouco de dignidade, acordei com vontade de ser budista. Quem sabe o Aveline não volta a ser meu ídolo?

- Kaya?
- Sim?
- Vamos pra Três Corôas e virar budistas?
- Oba! Que legal, não vamos mais precisar de roupas. Nosso filho vai poder andar pelado.
- Kaya! Eu falei budista e não nudista. E é Três Corôas e não Taquara!