CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

segunda-feira, janeiro 24, 2005

De pragas e poesias

Pois é,

Ia começar a escrever o diário do bebê (é melhor chamá-lo assim, enquanto não sabemos o que vai ser). Confesso que não gosto (com todo pai ou mãe) dessa angústia de não saber logo o sexo. Facilitaria se já soubéssemos, desde logo, o sexo.

Bons tempos virão, com a engenharia genética, em que poderemos determinar o sexo: mulher em cima: menina; mulher em baixo: menino. Não sei o que vai ser das outras posições, se é que existem!

Mas voltando ao assunto, fiquei feliz, confesso, em receber uma mensagem da Ana. Pessoa que admiro. Conheci, primeiro, virtualmente. Depois, presencialmente. De gente assim que o "admirável mundo novo" vai precisar. Dela, do Leandro, do Diego, do Bob (do Bob não, pois já está velho... é da minha geração), da Jú, da Aninha e de tantos outros que a internet nos colocou na vida...

Coisas que a gente não explica. Sente-se apenas. E é bom sentir isso. Sentir apenas pelo sentir, sem explicações racionais...

Mas ia falar de pragas. Não é que, recém terminou de ser concebido e mamãe Kaya já está a rogar-lhe praga? Imaginem, disse que o bebê há de ser colorado (para quem não é do Brasil, colorado é como são chamados os horríveis torcedores do Internacional, aquilo que tentam dizer que é um time de futebol). Praga maior não há!

Ainda bem que o anjo que o proteje é forte. Não há de deixar que isso aconteça. Por via das dúvidas, tomarei minhas precauções. A partir da oitava semana, quando começar a formar seu aparelho auditivo, passarei a cantar, todos os dias, "Até a pé...". Assim, não há de ter dúvidas quando nascer.

Estamos iniciando a sexta semana. Tem apenas 4,00mm. Dá pra imaginar? Segundo li dos entendidos, começam a se formar os bracinhos e as perninhas. Pequenos tocos ainda, a indicar que um dia serão fortes. Que seja! Bracinhos que logo, logo, estarão a abraçar e também a se defender; perninhas a correr pela casa atrás dos gatos.

Coitados dos gatos. Se o rebento puxar ao pai, estão ralados. Dizem que quando eu era criança, costumava pegar os gatos dos meus tios e jogar na sanga que existe nos fundos da chácara deles. Sanga = riacho. Termos gauchescos (continuo com a pretensão de ser lido por mais gente que os meus quatro leitores. Todos de Porto Alegre.)

Não posso contestar. Sou revel. Mas, se o Afonso Henrique ou a Clarissa resolverem fazer o mesmo, garanto que vou ajudar (acabo de comprar a minha sentença de morte com mamãe Kaya).

E por falar nela, passa bem. Afora estar permanentemente cansada. Dizem que é normal. Eu também acho natural ter que fazer tudo em casa (bricaderinha, viu, Kaya!)

Mas também falei, no título, de poesias.

Pedro Geraldo Escosteguy, além de primo, era artista plástico e poeta, e também escritor. Fez parte do Grupo Quixote, que Raimundo Faoro, no "Correio do Povo" de 26 de março de 1983, bem determinou sua característica: "o inconformismo e suas contradições".

Pedro Geraldo escreveu "Anticontos". Segundo sua própria definição, Anticonto é um "raconto antidiscursivo, antidescritivo e antiprosaico". Não sei o que é um "raconto". Não me perguntem.

É dele o "Anticonto" que reproduzo (editado pela Editoraufsm, sob a coordenação de Soraya Patrícia Rossi Bragança, a partir do Acervo Literário de Pedro Geraldo Escosteguy, gerido pelo Centro de Memória Literária do Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - ALPGE:

"TRÊS HORAS DA TARDE + MORMAÇO

Três horas da tarde + mormaço.
Indiscutivelmente verão de janeiro invadindo a cidade pequena
crescida entre dois braços de poeira.

Casario.
Poeira.
Casario.

Àrvores tontas de sede. Nuvem azul insuflada de palha.
Solaço.
Do lado da venda vem um ruído de martelo. No silêncio da
sesta cantam cigarras.
Jornal amassado caído perto do banco. Chaleira quente. Cuia com erva lavada.

Calor.
Calor.
Folhas imóveis.

Doquinha pulou do catre e pôs o rosto na janela sem vidro.
Rosto de sesta. Cabelo amassado.

Os olhos
os olhos
os olhos da Doquinha.

- tu não vai pro campo?
- o cavalo tá assoleado.
- não vem chuva?
- a seca tá braba.
Era assim a vida dali.

Catre.
Cavalo.
Mate.

E agora, três da tarde + mormaço.
A moça pegou num balde e foi ao poço.
Roldana gemeu.

Água suja.
Água feia.

Voltou de balde cheio.
- qué água?
- não. Água dá mais sede.
O cavalo relinchou na ponta da soga.
Relinchou uma égua zaina que pastava no terreno baldio.

Estava voltando a hora da vida.

Venâncio pegou os arreios quentes.
- vou indo.
- trais querosene da venda.
Era assim. E disso nasceu um filho.

Do mormaço."

bjs