CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

quarta-feira, março 30, 2005

Se eu morrer amanhã...

Pois é,

Se eu morrer amanhã... não, não é plágio, é só aproveitar o gancho. Se eu morrer amanhã, o que levo daqui?

O que leva da vida uma pessoa que há dez anos esqueceu da vida por causa do Alzheimer? Um artigo, da edição de março da Scientic American, relata os estudos realizados no sentido de explicar como a memória recente é transformada em memória permanente. Permanente enquanto estamos vivos, claro. A memória recente depende da "qualidade" das conexões realizadas no cérebro. A permanente, por outro lado, e é a isso que o artigo aponta, depende da atuação de certos genes. Mortos os genes, morta a memória?

Nunca aceitei de bom grado as explicações religiosas para o "pós vida", embora respeite quem tenha fé e as aceite. Por vezes até me pego pensando: não seria mais fácil simplesmente ter fé e parar de pensar no assunto? Vai fazer alguma diferença?

O problema é que há um momento, na vida, em que a morte se instala. Não a do corpo. A idéia. Da morte do corpo já estive próximo, quando quase morri afogado fazendo rafting nas corredeiras de Três Coroas. Algo como três minutos debaixo d'água, em meio ao turbilhão do ponto de vazão da barragem (detalhe irônico da história: foi filmado por um colega deficiente visual. Tenho o filme, por isso sei o tempo). Quando a gente escapa da morte do corpo, quase tudo volta ao normal. Após a idéia, nunca mais se é o mesmo.

Com a idéia se instala, definitivamente, a noção de finitude. E isso pode fazer mal, dependendo do nível de apego à vida que temos nesse momento. A humanidade vive da infinitude. As múmias, os super-homens, os highlanders, a herança e toda filosofia, religião e ciência buscam fazer do homem um ser infinito. Quando bem recebida, no entanto, a finitude é algo que melhora em muito a nossa vida. A compreensão da finitude nos remete aos limites do tempo e do espaço. Ao descobrir que o espaço é finito, que tem limites, percebemos que em algum lugar deve existir o equilíbrio. O lugar eqüidistante de todos os possíveis espaços pelos quais simplesmente somos. Quando percebemos que o tempo é finito, descobrimos o presente. E paramos de viver do passado e do futuro. O "agora" assume sua verdadeira dimensão: a de ser o único tempo que existe.

Que importância tem isso? Infelizmente, para muita gente nenhuma. Para outros, significa a diferença entre o dizer e o não dizer; entre o fazer e o não fazer. Significa, para quem não diz ou não faz, o arrependimento. E o arrepender-se é viver no passado. E o passado é o lugar do não dito e do não feito; e que acaba por virar futuro, pelo desejo de apagar a memória permanente.

O presente é de quem diz e de quem faz. É de quem sabe da finitude que a idéia traz. É de quem não ocupa o espaço dos outros; principalmente o espaço do ser, que é a pior espécie de ocupação. O passado é a ocupação do ser que causa as separações, que deprime. O futuro é a ocupação do ser que destrói, aniquila.

Se eu morrer amanhã, o que levo daqui? Poderei levar o equilíbrio e o presente. Caso contrário, levo o passado perdido na memória e toda ausência de futuro.