O Papa.
Pois é,

João Paulo II teve uma oportunidade como poucos Papas tiveram na história: a de realizar a reintegração do Cristianismo. Não quis, apesar do marketing feito (ou não deixaram). Poderia ter feito mais do que simplesmente pedir perdão aos judeus, como fez. É tido como o Papa que recrudesceu o Concílio Vaticano II, cuja tônica era a abertura da Igreja para o mundo, ideário de João XXIII. Por outro lado, deixará para a história, a glória de, sem sequer encostar um dedo, ter derrubado o Muro de Berlim e causado uma revolução inesperada no mundo.
Foi fiel a tudo o que a Igreja sempre foi fiel: à crença de que o mundo não evolui. E isso é uma das coisas que a Igreja - e seus Papas - nunca conseguiram absorver: o mundo anda com suas próprias pernas, independente do que deseja a Igreja e seus representantes. A Igreja é mais apegada a si do que aos seus fiéis. O Dalai Lama já admite que o Tibete seja definitivamente incorporado à China, numa demonstração de que entende que o mundo mudou desde que foi obrigado a se refugiar. E assim é o mundo: tudo muda incessantemente. E a maior prova disso é que o representante de Deus na Terra também morre. E se morre, de que adianta fincar pé nas terrenices? (diga-se, a bem da verdade, que isso não é exclusividade da Igreja Católica. É característica de todas as religiões. Talvez, por acreditarem em Deus - ou deuses - e na sua imutabilidade, acham que tudo o mais também deva ser).
Penso que falta para a Igreja ser mais líquida, como diria o Gejfin (perdoa tomar emprestado a tua idéia de liquidez).
Não pretendia, com esse blog, me dedicar a análise dos acontecimentos contemporâneos. A Cesar o que é de Cesar. Há gente capacitada para isso. O que escrevesse não passaria de mero pensar. E, como tal, válido apenas para mim e, talvez, para quem porventura pensasse da mesma maneira. E aí entra a questão: o Papa é o Papa. Por mais que não professe, o Papa é o Papa. Acima de qualquer questão.
Resolvi escrever algo sobre isso em função de uma declaração de vontade de um Cardeal polonês. Ele queria que o Papa, por ser polonês, fosse enterrado na Polônia. O Vaticano logo reagiu dizendo que o Papa, por ser o Papa, era cidadão da Santa Sé e, como tal, seria enterrado na Igreja de São Pedro, junto com os demais Papas que lá se encontram enterrados.
Por isso o Papa é o Papa. O Papa está acima de qualquer conceito civil de cidadania; acima do Direito. O Papa não é regido pelas leis humanas. O Papa (a Igreja) não deve satisfação a tribunal algum. O Papa não lida com questões humanas. Se o Papa resolvesse matar alguém (e isso já foi comum na história) quem iria julgá-lo? Nos dias atuais, somente Deus. Não está escrito em lugar algum que os homens possam julgar o Papa. Menos ainda os Estados. O Papa é o Papa. Se a China tivesse conseguido prender o Dalai Lama, certamente ele teria sido fuzilado. Ninguém, nenhum Estado, faria isso com o Papa. O atentado contra o Papa, em 1981, foi muito mais contra a figura política que ele acabara de assumir, do que propriamente contra o Papa. Por mais fundamentalista de qualquer religião que se possa ser, ninguém, em sã consciência, tentaria matar o Papa. E se ele tem razão? Já imaginou, quando morrer, chegar na frente de Deus e ter que dar explicações? Ali Agca (e sem teorias de conspiração, por favor) fez o que fez apenas por ser um desajustado mental. Mesmo que a mando de alguém.
Já passei por quatro Papas: João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. E tudo indica que passarei, ao menos, pelo quinto (se o próximo durar tanto quanto João Paulo II e eu parar de fumar). Não há que se elogiar João Paulo II como superior aos demais, apenas diferente. Pio XII pegou pepino muito maior: a Segunda Grande Guerra. O mundo pelo qual ele era o responsável, como herdeiro direto de Pedro, tratava de se liquidar, contrariando a todos os ensinamentos de Deus, postos pelo seu filho. Fez tanta política quanto a que fez João Paulo II.
João XXIII pegou a sobra. E a sobra foi o início da Guerra Fria. Resolveu, inteligentemente, abrir. Tentou levar a Igreja para um movimento contrário ao movimento do mundo. Morreu antes. Mas foi forte o suficiente para que, anos mais tarde, surgisse uma reação newtoniana: de igual valor e em sentido contrário. Paulo VI foi de "transição". Nem a gregos, nem a troianos. A idéia que guardo dele é exatamente essa. Se fosse pesquisar, talvez encontrasse algo de significativo em seu papado. Prefiro ficar com as impressões que tive e guardo. João Paulo I significou um retorno à Idade Média. Calculado: exatos 33 dias. Era sorridente como João XXIII e não fez nada de grandioso, como Paulo VI também não fez. Existe um fato interessante sobre a morte dos papas: eles não são submetidos a nenhuma espécie de exame. Por isso sempre paira no ar a hipótese de envenenamento de João Paulo I. Idade Média. O Papa é o Papa, está acima de qualquer lei civil. Governo divino de transição para João Paulo I. O final do milênio se aproximava e a Igreja andava às voltas com questões de sobrevivência. O rebanho latino-americano - o maior até então - dava mostras de que estava disposto a uma revolução. Lutero, uma vez na vida, pensavam os doutrinadores da Santa Sé. Karol encaixava-se perfeitamente no papel de contra-reforma-comunista-teologia-da-libertação. Liquidou com ambas. Pobre é pobre, sabemos. Mas eles lá, nós cá.
João Paulo II não fez nada pelos pobres a não ser alguns discursos. Na prática? Nada! E dele dependia a orientação da Igreja. No fundo, tratou apenas de resolver a batata quente que jogaram nas mãos dele como o fim da guerra fria, que ele mesmo foi o precursor.
Um valor há de se dar a Karol Józef Wojtyła: o amor pela pátria. E talvez tenha sido essa sua única motivação: libertar os poloneses do jugo a que ele próprio foi obrigado a submeter-se desde criança. E talvez, também, por ser o primeiro Papa não-italiano em 455 anos de papado. Possivelmente nem ele imaginasse as conseqüências da forçada visita que fez à Polônia, já na qualidade de Papa. É um povo a ser estudado com carinho. Em tudo refletem a ânsia da nacionalidade.
Karol é um homem íntegro nas suas crenças. Apesar de já estar "vendo e tocando o Senhor", conforme dito por um Cardeal próximo a ele, recusou-se a ser novamente internado. Prefere ficar no quarto onde dormiu por 26 anos e cinco meses, o terceiro maior papado da história. Já sabe. Impossível que não saiba. Para quem foi o "atleta de Cristo", chegar onde chegou da maneira como chegou, não há como querer enganar-se. Acredita naquilo que acreditou a vida inteira: Deus existe e eu sou o seu representante. Se assim não pensasse, não teria aceito ser Papa.
E o Papa é o Papa. Que Deus o receba como deve receber a qualquer de seus filhos. Não por ser Papa, mas por ter sido feito a sua imagem e semelhança, tanto quanto qualquer um de nós.
Obrigado por Sua presença na Terra enquanto eu estava aqui.