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sexta-feira, abril 01, 2005

O Papa.

Pois é,

Há que se admitir: o Papa é o Papa. Acima de qualquer questão. Interessante isso, se levarmos em conta que vivemos na parte cristã do mundo. E nessa parte do mundo, católica ou não, cristã ou não, o Papa é o Papa. Apesar de batizado, não professo e nem acredito na Igreja Católica. O que, penso, me proporciona uma certa e necessária distância para análises. E não vamos confundir a Igreja Católica com o Cristianismo. Isso é básico. O mesmo vale para a fé. Não debato com a fé, posso debater apenas com argumentos. Não há debate com gente que simplesmente acredita em algo. Portanto, aqui não se fala de fé.

João Paulo II teve uma oportunidade como poucos Papas tiveram na história: a de realizar a reintegração do Cristianismo. Não quis, apesar do marketing feito (ou não deixaram). Poderia ter feito mais do que simplesmente pedir perdão aos judeus, como fez. É tido como o Papa que recrudesceu o Concílio Vaticano II, cuja tônica era a abertura da Igreja para o mundo, ideário de João XXIII. Por outro lado, deixará para a história, a glória de, sem sequer encostar um dedo, ter derrubado o Muro de Berlim e causado uma revolução inesperada no mundo.

Foi fiel a tudo o que a Igreja sempre foi fiel: à crença de que o mundo não evolui. E isso é uma das coisas que a Igreja - e seus Papas - nunca conseguiram absorver: o mundo anda com suas próprias pernas, independente do que deseja a Igreja e seus representantes. A Igreja é mais apegada a si do que aos seus fiéis. O Dalai Lama já admite que o Tibete seja definitivamente incorporado à China, numa demonstração de que entende que o mundo mudou desde que foi obrigado a se refugiar. E assim é o mundo: tudo muda incessantemente. E a maior prova disso é que o representante de Deus na Terra também morre. E se morre, de que adianta fincar pé nas terrenices? (diga-se, a bem da verdade, que isso não é exclusividade da Igreja Católica. É característica de todas as religiões. Talvez, por acreditarem em Deus - ou deuses - e na sua imutabilidade, acham que tudo o mais também deva ser).

Penso que falta para a Igreja ser mais líquida, como diria o Gejfin (perdoa tomar emprestado a tua idéia de liquidez).

Não pretendia, com esse blog, me dedicar a análise dos acontecimentos contemporâneos. A Cesar o que é de Cesar. Há gente capacitada para isso. O que escrevesse não passaria de mero pensar. E, como tal, válido apenas para mim e, talvez, para quem porventura pensasse da mesma maneira. E aí entra a questão: o Papa é o Papa. Por mais que não professe, o Papa é o Papa. Acima de qualquer questão.

Resolvi escrever algo sobre isso em função de uma declaração de vontade de um Cardeal polonês. Ele queria que o Papa, por ser polonês, fosse enterrado na Polônia. O Vaticano logo reagiu dizendo que o Papa, por ser o Papa, era cidadão da Santa Sé e, como tal, seria enterrado na Igreja de São Pedro, junto com os demais Papas que lá se encontram enterrados.

Por isso o Papa é o Papa. O Papa está acima de qualquer conceito civil de cidadania; acima do Direito. O Papa não é regido pelas leis humanas. O Papa (a Igreja) não deve satisfação a tribunal algum. O Papa não lida com questões humanas. Se o Papa resolvesse matar alguém (e isso já foi comum na história) quem iria julgá-lo? Nos dias atuais, somente Deus. Não está escrito em lugar algum que os homens possam julgar o Papa. Menos ainda os Estados. O Papa é o Papa. Se a China tivesse conseguido prender o Dalai Lama, certamente ele teria sido fuzilado. Ninguém, nenhum Estado, faria isso com o Papa. O atentado contra o Papa, em 1981, foi muito mais contra a figura política que ele acabara de assumir, do que propriamente contra o Papa. Por mais fundamentalista de qualquer religião que se possa ser, ninguém, em sã consciência, tentaria matar o Papa. E se ele tem razão? Já imaginou, quando morrer, chegar na frente de Deus e ter que dar explicações? Ali Agca (e sem teorias de conspiração, por favor) fez o que fez apenas por ser um desajustado mental. Mesmo que a mando de alguém.

Já passei por quatro Papas: João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. E tudo indica que passarei, ao menos, pelo quinto (se o próximo durar tanto quanto João Paulo II e eu parar de fumar). Não há que se elogiar João Paulo II como superior aos demais, apenas diferente. Pio XII pegou pepino muito maior: a Segunda Grande Guerra. O mundo pelo qual ele era o responsável, como herdeiro direto de Pedro, tratava de se liquidar, contrariando a todos os ensinamentos de Deus, postos pelo seu filho. Fez tanta política quanto a que fez João Paulo II.

João XXIII pegou a sobra. E a sobra foi o início da Guerra Fria. Resolveu, inteligentemente, abrir. Tentou levar a Igreja para um movimento contrário ao movimento do mundo. Morreu antes. Mas foi forte o suficiente para que, anos mais tarde, surgisse uma reação newtoniana: de igual valor e em sentido contrário. Paulo VI foi de "transição". Nem a gregos, nem a troianos. A idéia que guardo dele é exatamente essa. Se fosse pesquisar, talvez encontrasse algo de significativo em seu papado. Prefiro ficar com as impressões que tive e guardo. João Paulo I significou um retorno à Idade Média. Calculado: exatos 33 dias. Era sorridente como João XXIII e não fez nada de grandioso, como Paulo VI também não fez. Existe um fato interessante sobre a morte dos papas: eles não são submetidos a nenhuma espécie de exame. Por isso sempre paira no ar a hipótese de envenenamento de João Paulo I. Idade Média. O Papa é o Papa, está acima de qualquer lei civil. Governo divino de transição para João Paulo I. O final do milênio se aproximava e a Igreja andava às voltas com questões de sobrevivência. O rebanho latino-americano - o maior até então - dava mostras de que estava disposto a uma revolução. Lutero, uma vez na vida, pensavam os doutrinadores da Santa Sé. Karol encaixava-se perfeitamente no papel de contra-reforma-comunista-teologia-da-libertação. Liquidou com ambas. Pobre é pobre, sabemos. Mas eles lá, nós cá.

João Paulo II não fez nada pelos pobres a não ser alguns discursos. Na prática? Nada! E dele dependia a orientação da Igreja. No fundo, tratou apenas de resolver a batata quente que jogaram nas mãos dele como o fim da guerra fria, que ele mesmo foi o precursor.

Um valor há de se dar a Karol Józef Wojtyła: o amor pela pátria. E talvez tenha sido essa sua única motivação: libertar os poloneses do jugo a que ele próprio foi obrigado a submeter-se desde criança. E talvez, também, por ser o primeiro Papa não-italiano em 455 anos de papado. Possivelmente nem ele imaginasse as conseqüências da forçada visita que fez à Polônia, já na qualidade de Papa. É um povo a ser estudado com carinho. Em tudo refletem a ânsia da nacionalidade.

Karol é um homem íntegro nas suas crenças. Apesar de já estar "vendo e tocando o Senhor", conforme dito por um Cardeal próximo a ele, recusou-se a ser novamente internado. Prefere ficar no quarto onde dormiu por 26 anos e cinco meses, o terceiro maior papado da história. Já sabe. Impossível que não saiba. Para quem foi o "atleta de Cristo", chegar onde chegou da maneira como chegou, não há como querer enganar-se. Acredita naquilo que acreditou a vida inteira: Deus existe e eu sou o seu representante. Se assim não pensasse, não teria aceito ser Papa.

E o Papa é o Papa. Que Deus o receba como deve receber a qualquer de seus filhos. Não por ser Papa, mas por ter sido feito a sua imagem e semelhança, tanto quanto qualquer um de nós.

Obrigado por Sua presença na Terra enquanto eu estava aqui.