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sexta-feira, maio 27, 2005

As origens do mundo, da humanidade e do Afonso - I / VII

Pois é,

"No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas.
Deus disse: 'Haja luz' e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz das trevas. Deus chamou à luz 'dia' e às trevas 'noite'. Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia."

Não sei como fui separado das trevas. Naquele tempo os pais não costumavam comentar com os filhos essas coisas. Até hoje acredito piamente que tenha sido a cegonha a me trazer. Não falo do momento em si, mas do contexto no qual fui concebido, coisas do tipo "sabe, meu filho, aquele foi um dia muito especial". Nem isso. Não os estou culpando. Era o costume da época. Pais não falavam com os filhos. Crianças eram crianças e adultos, adultos. Não se misturavam os assuntos. Anos mais tarde tive a oportunidade de corrigir a falta: filmei o parto da minha primeira filha e, tão logo ela adquiriu consciência, passou a ver. Ela sabe que não foi a cegonha.

Tive uma irmã que morreu treze meses antes de eu nascer, com onze meses de idade. Algo me leva a crer que fui uma tentativa de suprir a falta. Outro tabu: nunca ouvi meus pais falarem dela. No ano passado estive no Rio de Janeiro e fui o único, em mais de quarenta anos, que visitou o túmulo dela. Também visitei o local onde espero ter sido concebido e onde passei os primeiros quatro anos da minha vida. Nada. Esperava que, estando ali, todas as memórias perdidas retornassem e me dissesem: "Afonso, a verdade é que não foi a cegonha que te trouxe". Percorri a pé os caminhos que penso ter percorrido num carrinho de bebê; sentei nas areias da praia (Praia Vermelha) onde penso ter sentado; corri da água imaginando que teria feito o mesmo quando era uma criança, que recém aprendeu a se equilibrar nas perninhas e se assusta com a imensidão do mar.

Nada. Apenas um vazio sufocante. Não me vi ali. Era um mar e uma areia que não me pertenciam. Não tinha meu nome escrito em nenhuma pedra. Chorei a minha falta. Fui em busca do Verbo e saí em meio às trevas. E assim, no meu primeiro dia não houve uma tarde e uma manhã.