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sábado, maio 28, 2005

As origens do mundo, da humanidade e do Afonso - II / VII

Pois é,

"Deus disse: 'Haja um firmamento no meio das águas e que ele separe as águas das águas', e assim se fez. Deus fez o firmamento, que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima do firmamento, e Deus chamou ao firmamento 'céu'. Houve uma tarde e uma manhã: segundo dia".

E fui chamado Afonso. Luiz Afonso. Não sei donde tiraram. Se ainda hoje não é um nome comum, que dirá naquela época. Uma história e uma possibilidade. A história é de que seria o nome de algum "flerte" da juventude da minha mãe. Pouco provável. Seria muito difícil explicar a origem de um nome tão raro. A possibilidade está relacionada a um primo-irmão do meu pai que morava no Rio, na mesma época, e foi quem ajudou no caso da minha irmã. Esteve junto todo o tempo e souberam, ele e a esposa (que vim a conhecer o ano passado), dar todo o apoio necessário numa hora dessas. O nome? Ora, José Affonso. Deve vir daí o meu Afonso. Uma justa e bela homenagem a quem, embora as histórias familiares que bem poderiam tê-los afastado, dedicou-se de coração a amparar um jovem casal ante uma das piores perdas: a de um bebê de onze meses. Do Luiz não faço a mínima idéia, embora meu irmão mais velho chame-se Luiz. Luiz Felipe. Tenho, cá pra nós, que minha mãe era chegadinha na história dos reis europeus.

E por falar em mãe, dizem as lendas familiares que descendemos, por parte dela, de família nobre inglesa. John of Gaunt, Duque de Lancaster (a figurinha aí embaixo, à direita). Aquele mesmo da Guerra das Duas Rosas. Duas famílias reais: os Lancaster, que tinham uma rosa vermelha no brasão, e os York, que tinham uma rosa branca. Tudo farinha do mesmo saco brigando pelas terras inglesas. A confusão só acaba quando Henrique Tudor, que tinha no sangue ambas as rosas (York pelo pai e Lancaster pela mãe, além de casar-se com Elisabeth, da ala dos York) sobe ao trono com o nome de Henrique VII. É, ele foi o pai do putanheiro Henrique VIII (que causou o maior estrago na Igreja e nas mulheres do reino) e avô de Elisabeth I (aquela que virou filme, de tão branquinha que era, tadinha). Esses que estão por aí ainda são farinha do mesmo saco. Velha essa monarquia inglesa, eu hein?

Nesse meio tempo o Duque de Lancaster arranja um tempinho para ajudar seu coleguinha português, D. João I, a se livrar dos incômodos espanhois, ávidos por tomar alguns banhos nas lindas praias portuguesas. De quebra, como pagamento pela ajudinha, o nobre inglês, que já estava prevendo que sua nobreza iria pro bebeléu na Inglaterra, arranjou o casamento da sua querida filha, D. Felipa de Lancaster, com D. João I, o reunificador do Reino de Portugal. É de se salientar que D. João I era filho bastardo de D. Pedro I (o de Portugal, não o nosso, que virou D. Pedro IV, como todos sabemos). Nada fora do comum naquela época (bueno, dizem que o nosso D. Pedro I reconheceu... sei lá quantos bastardinhos antes de morrer. Sei sim, mas não vem ao caso!).

Do casamento de D. João I e D. Felipa de Lancaster, nasceram vários infantes, dentre eles D. Afonso, segundo filho do casal (não confundir com D. Afonso, 1º Duque de Bragança, filho de D. João I com a plebéia Inês Pires. Putz, esse meu nome...). Ainda segundo a lenda familiar (sim, porque a história jura de pés juntos que D. Felipa era uma santa mulher - mesmo porque ela não conhecia as pesquisas modernas, que apontam as inglesas como as mais infiéis do mundo!), D. Felipa deu uns pulinhos fora do cercadinho e fez um filhote, além dos oito que já havia feito com D. João I. Esse filhote teria, mais tarde, prestado uma homenagem à querida mamãe: aportuguesou seu nome para Alencastre. É bem provável, pois o gajo devia ser manso em inglês e não sabia pronunciar direito Lancaster.

Se é pelas lendas, vou para Londres exigir minha parte do Castelo de Buckingham. Já imaginaram o The Sun noticiando "Brasileiro descendente da família real Lancaster exige sentar-se ao lado de Elisabeth II"? Acho que não teria estômago para ficar olhando Charles e Camila a toda hora.

Minhas (a bem da verdade, pelo lado materno, muito mais do meu irmão do que minhas) pesquisas genealógicas, no entanto, não chegaram tão longe. Fui apenas até os idos de 1700, com o primeiro Alencastre aportado por essas bandas. E nessas idas e vindas de cemitérios, cartórios e internet, descobri-me descendente direto de Farrapos, ou Farroupilhas. Ôigale que não é cousa poca! Meu tataravó foi o autor do primeiro hino da então República Rio-Grandense (também conhecida como República do Piratini, uma das capitais). É até nome de rua aqui em Porto Alegre.

Talvez venha daí minha rebeldia com a Côrte. Quer dizer, não sei. Há um fato interessante aí: o pai do meu tataravô, meu tatataravô, era do exército imperialista. Pasmem, pai e filho lutando em lados opostos. Talvez por isso eu tenha votado pela volta da monarquia. E talvez por isso de quando em vez dá vontade de separar o Rio Grande do Brasil. E talvez por isso eu perca meu tempo vendo as aparições da minha família real inglesa.

Enfim, e por fim, conosco a família acaba: não existem mais descendentes homens com o sobrenome Alencastre que possam transmitir aos filhos. Se começou há 700 anos, acaba depois de 700 anos a saga brasileira de uma família real, segundo a lenda da família, é claro.

E assim, no meu segundo dia, tive um nome e um sobrenome. Houve uma tarde, mas não houve, ainda, uma manhã.