CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

sábado, junho 04, 2005

Como se constói uma nova pessoa?

Pois é,

Hoje inicia-se a Grande Guerra. Até então eram apenas escaramuças, pequenos atos de guerrilha que nada resolviam e só causavam enfraquecimento. E o enfraquecimento de um aumentava a força do outro. Ontem, no entanto, o mais fraco ganhou uma primeira batalha: admitiu, finalmente, que é o lado mais fraco. E como lado mais fraco, admitiu, também, que precisa de ajuda. São meus dois lados. Um, forte e poderoso, busca destruir. Atiça a preguiça, a acomodação, o hábito pernicioso, o vício. O outro, fraco e impotente depois de trinta e cinco anos de mandos e desmandos do forte. Não havia mais o que fazer para salvar o fraco.

Fui a um psiquiatra. Sozinho sou muito fraco para vencer o vício. Não sei fazer como muitos que simplesmente param e pronto! Preciso de ajuda. Ganhei a primeira batalha. Mas essa pode ser considerada fácil frente a pior delas, e que ainda está por vir: construir uma nova pessoa.

Depois de trinta e cinco anos fumando, quem sou eu sem cigarro? O que eu vou fazer? Para a dependência química temos os remédios, e ele os deu em alta dosagem. São necessários, por pior que sejam os efeitos colaterais e psicológicos (tem até tarja preta no coquetel). Pra vencer esta guerra só com uma bomba atômica. Paliativos não resolveriam. Ou mato, ou morro! Eu pedi. Sou fraco, preciso deles. Serão temporários, eu sei.

Minha vida hoje gira em torno do cigarro. Devo mudá-la. E devo encontrar uma outra vida, uma vida sem cigarro. E daí o medo; o medo de não conseguir ser saudável. Como alguém que desde os treze anos não é saudável poderá sê-lo? E meus hábitos? E o cigarrinho matinal tomando chimarrão? Que farei ao acordar amanhã? E na segunda- feira? E nos outros dias pelos próximos dias do resto da minha vida? Talvez eu viva mais uns trinta anos sem fumar! Já pensou? Vou dirigir sem o cigarro. E nas viagens, onde o cigarro até me ajuda a não dormir, distrai? E os posts, que os escrevo a custa de quase uma carteira, sentado em frente ao computador?

Faço as contas: se fumo algo em torno de 30 cigarros por dia e cada cigarro dura, em média, 10 minutos, isso siginifica que passo cinco horas do meu dia fumando. Tirando as horas que durmo e outras em que não posso fumar, isso representa mais de 60% das minhas horas úteis. Isso significa que tenho que me reconstruir em mais de 60%. Não me sei sem cigarro.

Essa é a grande batalha dessa Grande Guerra. Fazer-me! Criar-me praticamente do zero! Não sei como se faz e isso assusta, dá medo!

Diz a bula de um dos remédios:

Reações Adversas

Gerais: febre, dor torácica, astenia (perda ou diminuição da força física, Houaiss)
Cardiovasculares: taquicardia, vasodilatação, hipotensão postural, elevação da pressão arterial (severa em alguns casos), "fogacho" e síncope (perda dos sentidos devido à deficiência de irrigação sangüínea no encéfalo, Houaiss)
Sistema nervoso central: convulsões, insônia, tremor, disturbios de concentração, cefaléia, tontura, depressão, confusão, alucinações, agitação, ansiedade, irritabilidade, hostilidade e despersonalização.
Endócrinas e metabólicas: anorexia e perda de peso.
Gastrointestinais: "secura" na boca, disturbios gastrointestinais que incluem náuseas, vômitos, dor abdominal e constipação.
Pele/hipersensibilidade: um monte, três linhas só disso, terminado com uma tal de Síndrome de Stevens-Johnson, que, como toda síndrome, deve ser porrada.

Algo me diz que eu não deveria ter lido essa bula. Tô morto!

Tem uma coisa que diz ali, que é bom salientar: "irritabilidade, hostililidade e despersonalização". Portanto, se esse Chato começar a xingar todo mundo, dar pontapés na tela de quem aparecer por aqui, fiquem sabendo que me "despersonalizei" por causa do remédio. Não terei sido eu. Tenham paciência.

Não será fácil e dá medo fazer-me outro. Um outro que será saudável; que fará exercícios e que irá respirar; que dormirá tranqüilo e que subirá escadas com facilidade; que irá saborear com mais prazer ainda as comidas da Kaya. E por falar nela, e se a Kaya não gostar desse novo Chato? Por via das dúvidas, fiz com que recordasse que havia jurado "na saúde e na doença; na alegria e na tristeza".

Ainda não acredito em mim mesmo. É o forte atuando, minando minha vontade de fraco. Mas assim como ele me dominou silenciosa e sorrateiramente nos últimos trinta e cinco anos, vou fazer o mesmo. Vou derrotá-lo sem que ele me veja. Assim meu eu fraco espera!

Minha filha Fernanda pede, há mais de dez anos, que eu pare de fumar. Nunca tive coragem de fazer isso por ela. Faço agora, por ela e pela Clarissa. Elas merecem ser adultas e compartilhar do pai.