Com que cara você se enxerga?
Pois é,
Não sei se é universal – por óbvio deve ser, pois ainda sou da espécie humana – o sentimento de que temos uma única cara com a qual nos vemos e nos apresentamos. Mas que cara é essa que a gente se vê pelo resto da vida e pensa que as pessoas também vêem a mesma coisa? Em que momento fixamos a imagem que nos torna bonitos, mesmo que as espinhas tenham retorcido nosso rosto?
Diariamente vejo, defronte ao espelho, alguém que não sou “eu”. Eu sou diferente desse babaca, chato, que fica me olhando quando faço a barba ou escovo os dentes.
Essa cara não tem culpa de nada do que a acusam. Faz brincadeiras que as pessoas levam a sério. “Pô”, digo, “vocês não viram a minha cara?” Ou, “tava na cara que era brincadeira!”. Não adianta, as pessoas não vêem a mesma cara que eu vejo.
Talvez a cara com que a gente se vê, seja a última cara em que mostramos real felicidade por existir, mesmo sem ter consciência do que isso significa, pois em geral ela está lá na infância. E talvez por isso deteste tirar fotografias. Nenhuma delas jamais retratou a “minha verdadeira cara”, a cara que eu vejo quando me olho, não no espelho, mas no mais agudo dos olhares: quando me olho por dentro.
Nas poucas vezes em que me permiti aparecer em fotografias, foi mais por débito com as gerações futuras, do que propriamente por uma questão de gostar.
Aos psi de plantão: deixa assim, tá?
Como genealogistalóide que sou, sei bem a importância que tem uma fotografia ou um retrato. Muito ando a cata de fotos da família. Tenho uma coleção de quase duas mil fotografias. E a cada uma que olho, penso: esse não era ele. A foto mais antiga que tenho de um antepassado, é do meu bisavô, em 1901. Seis anos antes de morrer, ainda jovem, aos sessenta anos. Tem gente que só sei como era porque encontrei uma foto no túmulo. Benditos os fotologs.
Com que cara ele se enxergava? Terá sido essa foto, tirada com a minha bisa e seus dez filhos (da dúzia que tiveram, dentre eles meu avô ainda piá de sete anos) a cara dele? Ou será que ele se enxergava como era no País Basco, com vinte e poucos anos, antes de pegar o navio com os irmãos para a América? Que cara ele faria hoje para mim, seu bisneto? Que cara ele fez ao aportar na terra prometida?
Se não fosse essa cara que sabemos ter, ninguém teria coragem de abordar o sexo oposto. A natureza é sabia, nos faz ver e sentir que somos mais bonitos do que as pessoas realmente vêem. E acabamos por enganá-las, por incrível que pareça! Ou então elas são mais inteligentes que nós e logo percebem a nossa verdadeira cara. E gostam, o que é pior. Deve ser daí que Darwin desenvolveu a teoria dele: sobrevivem os que se vêem.
Acho que esse sentimento de identidade é o que nos mantém vivos, apesar da dificuldade que significa ter que provar, a cada segundo, que a cara era outra.
Por sorte, sei qual é a minha cara, independentemente do que as pessoas vêem. É essa. Tinha oito anos. Nunca mais me encontrei noutra. Digam qualquer coisa, não importa, eu sou assim. Eu me vejo assim. E até hoje tento mudar para parecer um homem maduro, sério, pai de família, trabalhador honesto e o escambau. Não importa.
Eu vou morrer assim. Com essa carinha linda!
E feliz com ela!