Férias, um minuto de silêncio e palavrões!
Pois é,
As férias estão acabando e as caixas com o entulho de anos também. Acabo de abrir a última. Dela salta uma edição de setembro de 1994 do "Porto e Vírgula", de número 18. A capa já diz porque a guardei: "Mário Quintana em três versões". Pequeno encarte com fotos, textos e poesias.
Abro, vou olhando e paro num título que chama a atenção: "Um minuto de silêncio". Como todo bom curioso, e onze anos após, começo a reler. Mordido pelo vício, penso: legal, vou colocar no blog. Cutuco o mouse para tirar a Terra vista do espaço, online, que tapa minhas vergonhas, e, por baixo, estava a página do MSN atualizada com uma notícia, cujo título também chama a atenção:
“'Gasto social não é gasto. É investimento', diz Lula"
Peraí! Já estava consolado com o fato do "Índice do Chato" não apresentar variações nesta quinta-feira, seu primeiro dia de existência. Murphy mais uma vez atuaria. Crio o índice e nada acontece de importância que possa dar-lhe movimento, variação.
O nosso Presidente e seu querido Ministro, no entanto, salvam a pátria (em qualquer sentido). Leio a notícia e logo associo ao texto que acabara de ler. Aí vão os dois:
"Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), também defendeu os gastos do governo, a exemplo do que foi feito hoje pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Ele considerou um equívoco considerar despesas em saúde e em gastos sociais, como o Bolsa Família, como gasto e não como investimento. "É um erro sociológico no Brasil", disse. Segundo o presidente, "é preciso aprender que fazer coisas boas para a parte mais pobre é tão nobre quanto fazer outras coisas". (José Ramos - Estadão)"
A pequena crônica, escrita pelo jornalista José Antônio Silva:
"Está morto, quase totalmente morto, o mundo das palavras. Sim, há muitas por aí - até em excesso. Mas são falsas. São clones, reproduzidas em série, publicitariamente, sem alma. Não têm personalidade própria. Usam máscaras (iguais e vazias, em sua variedade) para expressar a dor e a alegria, fingidas.
Há, é verdade, palavras-fantasmas; elas não aceitam o fato de que o seu tempo passou. Vagam melancolicamente por páginas corroídas, envoltas em refrulhos e segnícias (1).
Existem também os palavrões. Liberados - mas nem por isso mais gentis ou de bem com a vida. Nada: são agressivos, arrogantes. Sentem-se os donos do mundo de hoje, e talvez o sejam, de fato.
Pululam neologismos - tech-neo-logismos - que se encerram em si mesmos. São facilmente identificáveis. Não se comunicam, fora de sua confraria de exegetas cibernéticos.
Palavras mesmo, palavras, não há mais. Ou morrem à mingua. Não esquecer: a casa, a mão, a faca, o pão, a asa e o azul, o sangue e o sexo, o leite, o rio, o som, o suor, o riso e o vento, os passos - o grito.
Destas, e de outras assim, poucas sobram. Pois, próximas da natureza, vão morrendo com ela. Só saem à noite (quando todas as TVs cacarejam, ao mesmo tempo e em todos os espaços fechados). Então as palavras saem, para roubar comida, ar, um gole, uma idéia - para reaver um pouco da vida, que lhes negam. Mas estão em vias de extinção: não recebem pensão, embora os bons serviços prestados. E os ecologistas esqueceram-se de criar reservas naturais - fora o bolor das bibliotecas - para elas. As palavras-mães, basilares, não foram incluídas na lista dos seres condenados.
Um minuto de silêncio, em memória delas."
A associação entre a notícia e o texto é livre, mas, a quem eles pensam que estão enganando? Não bastasse o fato do ex ser sociólogo, lá vem o atual falar em "erro sociológico"? Por tudo, isso vale um oito! E sem palavrões!
(1) Também não sabia o que eram. Fui no Houaiss. Refrulho: sussuro, murmúrio. Segnícia: indolência, apatia, preguiça.