De como meu nome virou nome de família.
Aquí me pongo a cantar
Al compás de la vigüela,
Que el hombre que lo desvela
Una pena estrordinaria,
Como la ave solitaria
Con el cantar se consuela.
Pido a los Santos del Cielo
Que ayuden mi pensamiento;
Les pido en este momento
Que voy a cantar mi historia
Me refresquem la memoria
Y aclaren mi entendimiento.
Pois é,
É com a inspiração de Martin Fierro que inicio a contar de como meu nome tornou-se nome de família.
Passeando pelo shopping, entramos numa dessas lojas de animais. Há tempos vinha tentando convencer a Kaya a ter um gato. Desde criança tive gatos em casa. Ela também teve uma, a Bibita. Morreu com 17 anos, o que, para um gato, é muito tempo. E como tal, morreu velhinha, doente. Talvez por isso a Kaya não quisesse mais gatos. Sabia que o destino seria sempre o mesmo. Um dia eles morrem e a gente fica "no ar". Demora tanto pra passar como demora com a morte de qualquer ser humano querido. Querido, eu disse. Pois tem uns que já vão tarde e outros que já deveriam ter ido.
Tive que disfarçar, dizendo que queria olhar uns peixinhos. Algo no ar me dizia que o meu intento daria certo. Não deu outra. Já na entrada havia uma dessas jaulinhas com dois gatinhos. Na verdade, uma gatinha preta e um gatinho branco. De cara o gatinho se pendurou nas grades e ficou miando para a Kaya. Abri a portinha e peguei o gato no colo. Não adiantou. Assim que a Kaya chegou do meu lado ele se jogou no colo dela e dali não saiu mais. Pra me consolar, peguei a gatinha. E ela ficou comigo.
Topa levar os dois? Olha daqui, olha dali, fala, pensa, faz carinho no gato e resolve: vamos. Chamei a atendende e perguntei o preço: R$600,00. Os dois? Não, senhor, cada um. Devem ser de ouro, então, disse com aquela cara de babaca pobre que não sabe que entrou num restaurante caro. É que eles têm pedigree, disse a moça já mostrando o papel do registro. Ela é persa e ele himalaia. Olhei pra Kaya, olhei pro bolso, falo, penso, faço carinho na gata e resolvo: um só, escolhe! Claro que ela escolheu o gato. Amor a primeira vista. Destino, ela diria depois. Ele sabia que eu seria a melhor mãe do mundo pra ele. Tá, deixa assim.
Era um domingo. Chegamos em casa e literalmente me apossei do gato. Tentei de diversas maneiras brincar com o bichano. E ele só me olhava "Tô nem aí" como que dizendo: sou da mamãe. Perdi feio, pois na segunda fui viajar e só retornei na quinta. Irremediavelmente perdido. Quatro dias só com a Kaya. Ilusão minha pensar que ele faria qualquer tipo de "festa" no meu retorno. Olhei pra Kaya, olhei pro bolso, falei, pensei, olhei pro gato e resolvi: vamos lá buscar a gatinha. Ué, tu disse que ia ficar pesado comprar os dois. Azar, vamos lá.
E no domingo voltamos no shopping. Putz, a loja estava fechada. E agora, o que tu vai fazer? Tem uma filial lá no Country, vamos lá. Moça, tem uma gatinha lá na outra loja que eu queria comprar mas a loja tá fechada, como é que faço? Perguntas idiotas merecem resposta à altura. Já estava esperando pelo óbvio - moço, volte amanhã que vai estar aberta. Mas não. Ela simplesmente pegou o telefone e ligou pra alguém dizendo que fosse lá abrir a loja pra vender a gatinha. Voltem lá na loja, que daqui a meia hora o rapaz vai estar lá esperando vocês. Diante do inesperado, comecei a imaginar a gatinha dizendo: sou do papai. Se o gato era dela, a gatinha seria minha.
Segunda-feira e? Vou viajar. Retorno? Quinta à noite! Olho daqui, olho dali, chamo, chamo e estou irremediavelmente perdido. Quatro dias só com a Kaya.
Ah, já ia me esquecendo. Na tentativa de que o gato fosse meu amigo, dei a ele o nome de Joseph Afonso. Ela, Natasha. E assim começou a história da felina família Afonso.
Esse é o Joseph Afonso, patriarca da família em sua pose de "decifra-me ou te devoro". Como não consegui até hoje decifrá-lo, mantenho a distância regulamentar. É o despertador da casa. Religiosamente às seis da manhã nos acorda. E sabe quando estamos no horário de verão. Sobe na Kaya e começa a miar baixinho, mexendo as patinhas. Uma coisa ele aprendeu rapidinho: sábados e domingos não precisa nos chamar. Fica dormindo junto. Essa cara fechada deve-se a ter assumido o papel de esteio moral da casa. O pai fuma, bebe cerveja e come picanha quase crua. No fundo é uma mãe. Cuida dos guris como nenhum outro pai. É formado em Relações Públicas. Vive na casa dos vizinhos. Entra sem cerimônia, pois já descobriu que é querido na zona. Faz na casa dos outros tudo o que não deixamos fazer aqui. Até leite, descobrimos esses dias, ele toma nos vizinhos. E olha que, tirando subir no parapeito da sacada e tomar leite, ele pode fazer de tudo por aqui.
Não percam! No próximo episódio: "Já fui drogada. Hoje sou mãe!" A história de Natasha, vulgo Naná.
Breve resenha: Naná foi mãe adolescente. Deu aos oito meses e pariu cinco filhotes aos dez, contrariando todas as instruções do veterinário, que havia nos garantido: essa raça só está pronta ao doze meses. Podem viajar tranqüilos. Na volta vocês trazem ela aqui e fazemos a operação... não deu tempo...