CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

sábado, maio 14, 2005

Duas cartas pra mesma pessoa

Pois é,

Pois é, mamãe. Viste? Nem nasci e já estou pegando a mania do “pois é” do papai. Sinto-te feliz hoje e sei a razão. E fico feliz também, pois em breve poderei beijar-te no rosto e não apenas te dar uns pontapés na barriga.

Sim eu sei. Bem sei que gostarias de ficar aqui comigo, tomando uma cervejinha, batendo papo... mas vai, vai descansar. Hoje é teu dia. Não queres? Então fica. Viste? Ela nem nasceu e já te chama de mamãe. Imagina quando puderes escutar isso. Só de pensar fico arrepiado. Desculpa, eu sei que é teu dia, mas eu vou ficar arrepiado quando ela disser “papai”.

Talvez não saibas, mamãe, mas te escolhi. Sim, aqui nós podemos escolher em qual família vamos nascer. E mais, escolhemos qual mãe queremos ter. Alguns decidem que ainda precisam resolver coisas pendentes; outros decidem que é hora de definitivamente abandonar a Terra e partir para outros mundos. Eu não. Eu sei que ainda preciso de ti. Ainda preciso aprender muitas coisas contigo antes de deixar essa Terra. Não para resolver, mas para aprender.

Sabes de uma coisa? Tem momentos em que a gente quase desiste. Aquele dia, lá no Bar do Beto, era um desses dias. Era o dia mais improvável pra nós. Não querias estar lá. Eu fui com o piloto automático. Foste pra ajudar uma amiga; fui simplesmente porque tinha que ir. Era parte do ser assim. Tinha que ser; se não fosse, seria mais uma noite a odiar o mundo. E fui. E estavas lá.

Esperei, mamãe. Tudo acontece na hora certa. Antes não estavas pronta para me receber. Haviam me perguntado se tinha certeza do que estava fazendo. Respondi que sim. Sim, tenho certeza, mamãe está pronta. Durmo contigo; acordo contigo e sinto contigo. Sofro contigo. Sei melhor que qualquer um que estás pronta. Por que eu te escolhi! E se te escolhi é porque, daqui, sabemos o que é ser mãe. E serás a melhor mãe, assim como as melhores mães de tantos quantos nascem na Terra.

Tudo conspirava contra nós. Eu pensando que estavas brigando com a tua namorada. Admite. Pra quem olhava de fora, ver uma mulher abraçada em ti e chorando no teu ombro, pensaria o quê? O que eu poderia pensar? Pensei o que qualquer besta pensaria: vou curar essa mulher. Como pode? Uma mulher tão linda e gostar de outra mulher. É, já te falei do meu lado machista: adoro ver duas mulheres juntas; desde que sejam as dos outros.

E te realizo assim como me realizas. É a vida, mamãe. E não vejo a hora de me sentir no teu colo; de me sentir no teu peito; de me sentir querida como só tu saberás fazer eu me sentir. Por isso és minha mãe.

E tu? E tu que estavas a pensar que minha amiga era minha mulher? Cafajeste, disseste-me depois. Safado sem vergonha! Fica paquerando na frente da mulher. Pobre de mim, não fosse a Clarissa.

Papai, essa parte é minha. Talvez vocês não soubessem, mas fui eu que arranjei tudo.

Opa, peraí! Que história é essa?

É papai. Nós estamos aqui por uma única razão: realizar a mamãe.

Tá, minha filha, mas assim até parece que eu não tenho nada a ver com isso. E tem mais, não eram cartas separadas?

Eram, mas estamos falando a mesma coisa. Mais do que a mesma coisa, estamos falando da minha mãe, a tua mulher.

Mudei de mesa, lembra? Se o perfil já era maravilhoso, o que dirá ficar te olhando de frente. Os olhos. Os olhos mais maravilhosos que já vi. Olhos que tenho até hoje com pano de fundo nos meus computadores (aqui em casa e no trabalho). A imagem mais bonita. Teus olhos no nosso casamento. Não há o que pague ficar te olhando a cada momento. Sou feliz por isso. Se hoje eu sei o que significa chorar de felicidade é por poder olhar a qualquer momento os teus olhos chorando, na foto do casamento.

Naquele dia no bar percebi, no entanto, que algo te incomodava. Deixaste de me olhar. Não me pergunta a razão, mas teu abandono pareceu ser o fim do mundo. Tinha que fazer algo. E fiz. Confessa: foi original, né? Eu sabia! Só algo original estaria a tua altura.

Eu sei, papai, que entendes. Entendes que és e serás meu pai querido. Eu também entendo que amas minha irmã. E venho pra dizer a ela que não vou dividir. Venho para multiplicar nosso pai.
Mais do que te multiplicar, papai, vimos, eu e tu, para multiplicar essa pessoa maravilhosa que é a mamãe. Sabes bem disso.

Sim, minha filha. Sei bem que vens para me ensinar o quanto essa pessoa que escolheste como mãe, e que me escolheu como teu pai, merece tudo. E estava justamente te esperando pra me ajudar. Sozinho não sei se seria capaz, mesmo tendo sido original quando a conheci.

- Papai?
- Sim, minha filha?
- Vamos separar o que escrevemos e mandar pra mamãe como se fossem duas cartas pra mesma pessoa?

A Kaya está de aniversário este mês. No dia certo vou republicar esse post. Pra variar, não será o que de melhor eu poderia fazer por ela. Quem sabe a Clarissa, nos próximos anos, me ensine como fazer.