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sábado, maio 14, 2005

Poesia

Pois é,

No que diz respeito à cultura, o Rio Grande do Sul não difere dos demais estados brasileiros. Todos têm suas peculiaridades. A chamada "cultura gaúcha", ou gauchesca como preferem alguns (música, poesia e outras tradições), no entanto, é tão marcadamente centrada no homem gaúcho, nos seus feitos e petrechos, que se torna quase impalatável para o resto do Brasil. O mesmo se dá, por exemplo, com a cultura nordestina, também marcadamente centrada na saga do nordestino. E talvez por isso a cultura nordestina seja mais aceita no Brasil: ela é, no geral, o retrato de uma saga e não de indivíduos. É mais brasileira porque é a luta contra a miséria, a fome, a seca, contra a vida, a "vida severina". O Rio Grande do Sul foi forjado na luta também, mas foi uma luta sem fome; foi uma luta em campos de pastos verdejantes. Perdia-se a vida, mas não se lutava contra a vida. Aqui se morria de degola, a tiros e a espadadas. Não havia morrer por simplesmente estar vivo e não poder viver.

Há coisas boas por aqui e que não falam necessariamente da bravura gaúcha, tão mal vista por esse Brasil afora. Esse poema gauchesco, do Apparicio Silva Rillo, é um exemplo:

NO BOLICHO

Traga de vez a garrafa
bolicheiro! Me despacha,
que hoje no mais se emborracha
quem nunca se emborrachou.
Quero beber no gargalo
para esquecer o pialo
que o tal de amor me atirou.

Sou índio duro de queda
mas fui pegado de jeito.
Bateu-me a argola no peito
e ali no mais me planchei.
Sempre fui solto da pata
mas nessa volteada ingrata
num tacuru tropecei.

Sucede que eu não sabia
quanta manha se requer
pra se correr com mulher
na cancha reta do amor.
Desci confiado pra raia...
Perdi pro rabo de saia
sem sair do partidor!

Caí no tiro de laço
de um olhar de china atrevida,
que embuçalou minha vida
na armada negra das tranças,
pra depois de ter-me preso
marcar-me com seu desprezo
na picanha da esperança.

Desprezo não há quem cure,
não há remédio que impeça,
não há reza, nem promessa
que lhe conserte o estrago.
Por isso, seu bolicheiro,
pra aparceirar o primeiro
ponha no mais outro trago!