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quarta-feira, julho 13, 2005

Verdade seja dita

Pois é,

Não podemos ser ingênuos a ponto de imaginar que o interesse público esteja acima de qualquer outro, mesmo nas instituições criadas para isso: os poderes. Vamos supor que uma determinada melhoria em algum procedimento, envolvendo os três poderes, deva ser realizada. O princípio básico que rege a atuação das pessoas, nesse caso, é a obtenção de um benefício para a sociedade, para o cidadão. Eficiência, eficácia e efetividade são palavras de ordem que deveriam ditar os rumos das negociações. Não é o que acontece, no entanto, na prática. Quando pessoas dos três poderes se reunem para estabelecer esse procedimento comum, a escala de interesses torna-se outra.

Primeiro, há que diferenciar o status das pessoas, pois que determinante dessa nova escala. Como falamos de poderes, via de regra falamos de agentes públicos que estão divididos em duas categorias: os agentes políticos e os servidores públicos. Reuniões de agentes políticos são absolutamente diferentes de reuniões de servidores, ou mesmo de reuniões mistas. A primeira vista poderia parecer que a escala de interesses fosse diferente para cada tipo de reunião, mas não é.

A escala que se estabelece é invariavelmente esta:

1. interesses pessoais
2. interesses do grupo
3. interesses da instituição
4. se sobrar tempo, interesse público.

Um exemplo prático torna isso claro:

O Poder Legislativo edita lei direcionando ao Poder Executivo a obrigação de estabelecer e tornar efetiva uma determinada política pública, por exemplo, a proteção da criança e do adolescente por meio da disponibilização de abrigos. O poder executivo estabelece a política pública: abrigagem e os meios de realizá-la. No entanto, não a executa, pois para isso precisa deterteminar recursos orçamentários (tornar efetiva a política, realizá-la).

O Poder Legislativo, por outro lado, edita lei direcionando ao Ministerio Público a obrigação de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;" (CF88, art. 129, II). Ciente do seu mister, o Ministério Público ingressa com Ação Civil Pública contra o Poder Executivo (uma prefeitura, p.ex.) para que torne efetiva a proteção dos direitos da criança e do adolescente e construa os abrigos necessários.

A questão, no Poder Judiciário, é tratada da seguinte forma: como a realização de políticas públicas é ato discricionário (necessidade, conveniência e oportunidade) do Poder Executivo (em função de norma editada pelo Poder Legislativo), cabe apenas a este a decisão de quando e como realizar o ato.

Pronto!!! Aí temos o cachorro correndo atrás do próprio rabo! E as crianças continuam sofrendo nas ruas, sem os abrigos.

Como acontece, na realidade, por trás desse formalismo todo? É aqui que se estabelece a hierarquia falada. O prefeito está mais interessado em realizar atos que pssam render pontos para si, pois está interessado ou em se reeleger, ou em manter-se próximo ao poder (interesse pessoal em primeiro lugar); depois, há o interesse partidário, pois este também deve manter-se no poder, o que determina quais sejam as políticas para atuação prioritária (interesse do grupo conformando os interesses e atos do prefeito).

O assunto vai para a Câmara dos Vereadores, que deve decidir a alocação dos recursos orçamentários. A roda gira no mesmo sentido: o vereador preocupa-se em "defender a base", realocando, na medida do máximo possível, os recursos de forma a atender primeiro os seus interesses em se reeleger. Por essa razão os orçamentos, no Brasil, são peças de ficção: os demais poderes (Executivo, Judiciário e Ministério Público) escondem o máximo possível as rubricas para que o Poder Legislativo não possa aproveitar-se delas em proveito próprio. Aqui temos o terceiro nível da escala de interesses: o interesse da instituição. Deve-se proteger a instituição acima dos interesses das outras instituições.

Como isso é apenas um post, dá logo para imaginar que não sobra tempo para realizar o interesse público. O poder executivo, como consegue esconder a alocação dos recursos destinados à proteção dos direitos da criança e do adolescente, acaba por fazer o que bem entende, isto é, NADA. Nada, também, é o o que o Ministério Público pode fazer, pois nada é o que o Poder Judiciário diz que ele pode fazer.

Dá para imaginar perfeitamente, porque é tão fácil a corrupção no Brasil. O sistema existente, isto é, o cachorro correndo atrás do próprio rabo, permite isso. E como, na escala de interesses, o interesse pessoal ocupa o primeiro lugar...

Agora imaginem uma reunião com representantes desses poderes todos... o que acontece? Quem já teve a oportunidade de participar sabe bem do que eu falo: acontece que as crianças e adolescentes continuam nas ruas.