Dia do trabalhador e Bem comum
Pois é,
Aprendi um conceito no curso de Direito que diz ser o Bem Comum "o bem de todos naquilo que todos temos em comum".
De Aristóteles (virtude) a Kant (dever), o problema de estabelecer o que seja o bem comum ainda não foi resolvido. Confesso que perdi um pouco o contato com os pensadores do século XX, para saber se algum resolveu enfrentar o problema da ética na contemporaneidade. O tema volta à pauta dos debates em função das questões ligadas a chamada bioética e ao biodireito, ambos ligados às essenciais questões da preservação e da dignidade da vida humana.
Claro está que, tanto Aristóteles, quanto Kant, ou mesmo os utilitaristas, sozinhos não podem nos apresentar soluções, posto que à epoca tais problemas não existiam. Fico a imaginar o que diriam frente à clonagem humana, por exemplo. Também não podemos ignorá-los, pura e simplesmente, com essa alegação.
Infelizmente o Brasil está a enfrentar um problema muito mais básico que esse, embora concomitante e, por ser concomitante aos problemas da vida humana, parece estar sendo relegado à segundo plano quando se fala de ética e de bem comum: o Estado Democrático de Direito e sua manifestação no mundo concreto, o serviço público.
Nessa semana que se segue pretendo entrar no assunto, até porque li (e confesso que não lembro onde. Vide § 3º do art 4º do Código do Chato) em um dos tantos blogs que visito, alguém referindo-se à "arrogância de um funcionário público".
O problema é sério. O serviço público brasileiro nunca foi analisado de forma séria. Se por um lado temos inúmeras publicações que tratam do problema no nível meramente teórico (a ver as doutrinas jurídicas do Direito Administrativo; as doutrinas econômicas do Estado Mínimo; as doutrinas políticas ou politiqueiras e os sérios, porém inoperantes e hoje desprezados, estudos do ex-ministro Bresser Pereira, que tentaram transplantar o chamado "modelo de Chicago", via Banco Mundial, para o Brasil) e que, como tal, não resolvem o problema; por outro, carecemos de estudos que possam conduzir a uma prática ética do serviço público. As poucas tentativas pecam por tentar aplicar os modelos empresariais de administração ao serviço público. Exemplos recentes estamos vendo nos governos dos estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul e na Prefeitura de Porto Alegre, que, a exemplo do governo do Estado, contratou a mesma consultoria (de Minas Gerais, diga-se de passagem).
Bom, para um domingo, dia do trabalhador, parece estar de bom tamanho. Fica um trecho do artigo "Ética na Contemporaneidade", do professor do Dep. de Filosofia da UFRGS, Dr. Alvaro L. M. Valls, encontrado no site que referencio a seguir, onde ele faz um apanhado de três correntes filosóficas que se preocupam com a ética: Aristóteles, Kant e os utilitaristas; e a pergunta, se alguém quiser se manisfestar antes de eu prosseguir: o que é bem comum? E não esquecendo: funcionário (ou servidor) público, embora muitos não acreditem, TRABALHA. (o problema é outro...)
"O ponto comum destas três concepções éticas é que elas se situam numa posição intermediária entre, por um lado, as morais religiosas ou tradicionais, que poderíamos chamar dogmáticas, isto é, que contém explicitamente preceitos revelados, quer por uma divindade transcendente, quer pela força da tradição histórica, e, por outro lado, as atitudes que poderíamos chamar infra-éticas. Atitudes infra-éticas apresentam, por exemplo, aquelas pessoas que não vivem, ao menos conscientemente, ao nível ético da escolha do “bom”, do “bem”, do “agir bem” ou do “bem comum”. São pessoas que buscam simplesmente o prazer, ou o poder, ou o proveito pessoal, ou as vantagens econômico-financeiras, em todas as ocasiões. Também poderíamos chamar de atitude infra-ética, embora não de “amoral” aquele comportamento motivado apenas por sentimentos, supostamente bons. O sentimento moral ou o “moral sense” não constitui uma base filosoficamente respeitada como suficiente. O mesmo vale para os que defendem valores puramente tradicionais enquanto convencionais. Bem próximo destes estão os hoje chamados “contratualistas”, que embora teorizem sobre formas de convivência humana possível sobre a terra, não se baseiam propriamente numa perspectiva moral. As ações supostamente contratuais podem ser também interpretadas perfeitamente como estratégicas. Uma aliança de famílias mafiosas, dividindo o crime e a contravenção entre si, não atinge um nível moral porque não respeita todos os envolvidos, mas tão-somente os diretamente interessados nos negócios: a clientela não é respeitada em sua dignidade pessoal. Estamos supondo portanto que a ética, porquanto moral fundamentada por uma reflexão (seja ela mais espontânea ou mais sistematizada), sempre tem um respaldo argumentativo, procura mostrar-se racional, e sempre busca a universalização, quer dos interesses, quer de uma natureza comum, quer de um agir segundo máximas que possam constituir-se em leis universais. A busca da argumentação fundamentadora é extremamente importante numa situação de pluralismo de valores e de globalização da sociedade. Os interesses do grupo, do clã ou da família ou corporação não podem mais dizer a última palavra, assim como a moral de uma confissão religiosa não pode ser imposta aos que não compartilham desta."
[Para quem quiser um ótimo site sobre as questões de ética e bioética, visite o site do prof. José Roberto Goldim, da UFRGS, considerado uma autoridade nessa área (tive o prazer de assistir uma aula dele). Há um farto material, suficiente para uns dois dias, ou mais, de leitura ininterrupta. Lá se encontra o artigo citado do Prof. Álvaro.]