CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

quarta-feira, junho 15, 2005

Cair ou não cair no conto?

Pois é,

Terrível o mundo que vivemos, quando sequer podemos confiar em quem nos pára na rua para pedir uma ajuda. Vá que a pessoa simplesmente queira saber um endereço, onde fica uma rua, uma loja, etc. Costumamos desviar, fugir. Eu, por exemplo, ante a mera intenção de se aproximarem de mim, já saio dizendo “não” com a cabeça e com as mãos. E ainda me dou ao displante de agradecer. Não sei ao quê, mas agradeço. Mas peraí! A pessoa não veio me oferecer algo; ao contrário, veio pedir!

Acho que de tantas que levamos, acabamos calejados, pra não dizer insensíveis. E se de fato alguém estiver precisando de algo? E de um algo que esteja ao nosso alcance dar?? Uma simples informação, ou até mesmo dinheiro. Não! Se pediu dinheiro é para comprar bebida. E ainda chamamos, mentalmente, a pessoa de “vagabunda, podia muito bem estar trabalhando”! Se for criança, pior ainda, nem olhamos, pois imaginamos que tem algum adulto por trás que vai ficar com o dinheiro.

Pois de um tempo para cá resolvi adotar a seguinte postura: não importa o que a pessoa vai fazer com o dinheiro; importa o que ela vai me dar em troca como história, para me convencer. Assim, estarei, não dando uma esmola, mas remunerando um artista.

Conforme o nível da lorota e a encenação feita, leva ou não. Isso acaba eliminando os pedintes “puros”, aqueles que a gente sabe que são para a bebida, pois não têm a mínima imaginação. Por outro lado, abre a possibilidade de ouvir alguém que possa estar mesmo precisando de ajuda e, com isso, livramos nossa alma do inferno. Claro que temos os mentirosos e bons artistas, mas a estes, o que dou, dou como remuneração pelo espetáculo. Enfim, é muito difícil a situação que vivemos.

Há pouco fui levar o lixo. Quando acabava de fechar a porta do prédio, um rapaz, bem vestido e numa abordagem absolutamente tranqüila (mesmo porque eu já estava atrás das grades. Ops, eu atrás das grades para me sentir tranqüilo? Putz) pediu: “Meu senhor, posso ter um minuto da sua atenção?” A vontade inicial era me fazer de surdo e deixar o cara ali. Azar, mais um, menos um não vai fazer diferença.

Parece, no entanto, que eu devo ter um luminoso piscante na testa, com os dizeres: “vai nesse que dá”. Sempre sou escolhido pelos pedintes. Fazer o quê? Parei e escutei. Uma linda história com todos os elementos típicos da malandragem:

- foi assaltado e levaram tudo;
- estava atrás de um amigo que morava por ali, mas o amigo não se encontrava em casa, o que lhe deixara na rua;
- morava em outra cidade;
- tinha uma mãe com 74 anos e não queria telefonar avisando que fora assaltado, para não assustá-la, coitadinha.
- precisava pegar o ônibus pra voltar para a sua cidade (aí eles declinam o valor; geralmente um valor factível, a depender da cara do interlocutor) e só precisava do dinheiro da passagem;
- Importante esse elemento, por ser novo: disse que me pagaria no outro dia, assim que chegasse na cidade dele. Que se eu desse um número de conta bancária ele faria o depósito. Jurava que faria.
- Por fim, dizia-se temente a Deus e que Deus me daria todas as graças se eu o ajudasse naquela hora difícil.

O mais importante de tudo e que me fez dar algum dinheiro foi: (1) tudo isso num português absolutamente correto, impecável, concordâncias perfeitas e, (2) a forma como se expressava, parecia acostumado a discursos; articulado, com construções frasais pausadas nos momentos certos; ênfases quando necessárias, mas sem exageros que poderiam parecer teatrinho barato. O cara é um artista. Paguei pelos cinco minutos de espetáculo.

Mas, e se fosse verdade?