CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

sábado, junho 11, 2005

A resposta

Pois é,

A resposta que dei para minha filha, quando ela me perguntou se era difícil ser adulto foi:

Tudo depende de como as pessoas resolvem levar a vida. E existem duas maneiras: uma boa e uma ruim.

Para te explicar a maneira boa, vamos pegar um filme. Para se fazer um filme são necessários (de forma simplificada, é claro) um produtor, um roteirista, um diretor, um ator e várias outras pessoas.

O produtor é quem banca o filme, paga todo mundo, sustenta. O roteirista é a pessoa que escreve a história, que diz como começa e como termina, se o final vai ser feliz ou não. O diretor é quem dirige o filme, é quem diz como o ator deve representar a cena, com ele deve viver. O ator, por óbvio, é quem vive, são as pessoas. As demais são coadjuvantes, fazem cenários, carregam coisas...

Podes escolher ser qualquer uma delas. A maioria das pessoas, no entanto, escolhe ser apenas ator da sua própria vida e deixa que outros as sustentem; que outros escrevam o que vai acontecer; que outros mandem nelas. Alguns passam a vida apenas pra lá e cá carregando coisas, montando o cenário para que os outros possam viver. Passam a vida como coadjuvantes da própria vida.

Para que ser adulto não seja difícil, minha filha, não seja apenas a atriz do teu filme, seja também a produtora da tua vida: estuda e seja uma profissional competente, capaz de ganhar o quanto necessites para tudo aquilo que queiras. Mesmo nesse país de dificuldades, sempre é possível, para quem é bom naquilo que faz, conseguir o que quiser. Uns têm trabalho, outros têm uma profissão. Escolha ter uma profissão. Mas para isso há uma única condição: quem tem uma profissão tem amor por aquilo que faz e nunca se cansa de fazer. Quem tem trabalho, trabalha das oito às dezoito; quem tem uma profissão se dedica a ela 24 horas por dia, por todos os dias.

Mas só produzir não adianta. Escreve a tua própria vida, faz teu próprio roteiro. Não deixa que ninguém determine o que vai te acontecer. Não deixa que te façam triste; te afasta das coisas ruins; escolhe os caminhos que te façam feliz. Escreve a tua vida a cada dia. Escreva nele teus princípios, aqueles dos quais jamais deves abrir mão. Não faças do teu roteiro uma ilusão. Escreva trechos de tristeza e sofrimento, tanto quanto os de alegria e prazer. A felicidade, minha filha, não é ser feliz; a felicidade é poder ser triste na tristeza e alegre na alegria; é estar vivo para isso e poder sentir tudo o que o mundo nos dá para sentir.

Mas não basta só isso. Dirija a tua própria vida. Há quem diga que na vida existem os que mandam e os que cumprem ordens. Escolha não ser mandada, mas também não escolha mandar nos outros. Dirige apenas a tua própria vida. Não deixa que ninguém determine como deves levar a vida; te afasta dos homens que queiram te dizer o quê fazer ou o quê não fazer; não tenhas medo de ficar sozinha.

Atua teu próprio papel, aquele do roteiro que escreveste e que estás dirigindo. Aprende a diferença entre ser um bom ator ou um mau ator: os bons, minha filha, vivem a verdade dos seus papéis. Chora, quando tiveres que chorar; e ria com prazer, quando tiveres que rir. Não representa diversos papéis: seja apenas um, tu mesma, sempre. E aprenda que os outros também vivem seus próprios roteiros, seus filmes. Evita criticar a vida das pessoas.

Ninguém vive sozinho, minha filha. Traga sempre contigo aquelas pessoas que farão o cenário do teu filme e as trate com carinho e respeito. Algumas delas poderão fazer os efeitos especiais da tua vida, ou os cenários mais simples, necessários para as cenas em que queiras apenas descansar. São teus amigos.

Não luta contra o mundo, mas também não deixa o mundo te levar. Seja dona da tua própria vida. E acima de tudo, mas de tudo mesmo, cuida do teu corpo. Faça dele um corpo sempre saudável. É ele que te leva e só com ele poderás realizar teus sonhos. Essa é a maneira boa.

A essas alturas já tinha gente das mesas vizinhas espichando os ouvidos. Parei para tomar mais um gole da cerveja que estava esquentando, ao que ela falou: “Nem precisa me dizer como é a maneira ruim, pai!”

Só depois, quando cheguei em casa é que me dei conta de que, afinal, não havia respondido se é fácil ou não ser adulto. Liguei pra ela e disse: minha filha, não é difícil ser adulto e quem sabe um dia te explique o que tudo isso tem a ver com ser líquido.