CLARISSA
Lilypie Baby Ticker

segunda-feira, junho 20, 2005

Da série: Faltam apenas dois dias - I

Pois é,

Errei as contas. A gente não conta o próprio dia, né?

Prosseguindo no uso dos pensamentos de Einstein como ponto de apoio para o conteúdo dos posts:

"O valor humano é determinado, em primeira linha, pelo grau e pelo sentido em que ele se libertou do seu ego".

Há um momento na vida em que descobrimos a finitude. Mais que uma descoberta, é um sentimento, uma posse da finitude. Ela toma conta definitivamente de nós. Percebemo-nos finitos. Para alguns isso só acontece na hora da morte mesma; outros, no entanto, são tomados pela finitude bem antes dessa data. Por vezes é uma situação de risco; em outras, vem pura e simplesmente. Não creio que haja um único fator determinante dessa posse. A morte de outras pessoas - entes queridos - não é suficiente, penso, para que as pessoas se apercebam da sua própria finitude. Com a palavra os especialistas, caso esteja enganado.

O importante é que, quando nos damos conta da finitude, vemos o quão inúteis são as coisas na nossa vida. A maioria das coisas que fazemos, temos ou pelas quais lutamos. E por quê? Porque normalmente levamos a vida achando que somos imortais, que só os outros morrem. Temos uma idéia apenas racional da finitude, da morte.

Quando, por razões diversas, me dei conta de que sou finito, a primeira coisa que fiz foi jogar tudo fora, ou quase tudo (tem algumas coisas que ainda não consegui me livrar, mas eu chego lá). Trocentos milhões de porcarias juntadas ao longo da vida. E pra quê? Ah! Pra que vejam, depois que eu morrer, que eu tinha isso e aquilo, que lia este e aquele autor, que gostava dessa ou daquela música. Para fazer valer meu ego depois da morte. Perpetuá-lo. Ora, não será pelos meus guardados que serei lembrado pelas minhas filhas ou pelas pessoas e, sim, pela intensidade da minha relação com elas; pelo que puder ensiná-las da vida, para que possam se utilizar disso nas suas, se quiserem.

É um processo o libertar-se do ego, um duro processo. É como eu disse em um comentário: desaprender é muito mais difícil que aprender. Libertar-se do ego, tomar posse da finitude é um desaprender. A posse da finitude é o desaprender a posse das coisas. Não que não as tenhamos, as coisas, mas passamos a ter o necessário e suficiente para uma vida digna e saudável, sem estresse, sem correrias, sem perda de tempo incomodando-se com coisas inúteis. A vida melhora em muito quando sabemos que ela acaba. Somos mais intensos naquilo que fazemos; fazemos mais coisas do que normalmente faríamos. Não perdemos a vida em frente a uma televisão vendo a vidaque eles querem que vejamos: passamos a dar mais valor ao nosso tempo. Passeamos mais, viajamos mais, tudo passa a ser mais. As coisas adquirem outro valor, a vida adquire outro valor. Passamos a pensar antes de nos colocarmos em situações que nos estressam. "Vale a pena?" passa a ser a pergunta fundamental. Tudo se torna passageiro, ou melhor, tudo é passageiro, nós é que não nos damos conta. E quando nos sabemos finitos, passamos a ver as coisas como passageiras que são. E me pergunto: vale a pena me incomodar com isso? Amanhã talvez nem exista! Assim, conseguimos fazer apenas as coisas que nos fazem bem, que nos tornam felizes, que realmente valham o esforço. Há muito tempo deixei de me incomodar com as coisas da vida. Se vejo que algo é potencialmente estressante, simplesmente evito. Poucas ainda podem vir a me tirar desse estado. A vida passa a fluir quando se torna finita.

Assim é este blog. Por essa razão disse que não sou dono do que escrevo. Foi uma das posses das quais me livrei. Tirando as pessoas que vivem de seus escritos, por meio da publicação de livros ou em outros meios, não vejo razão de "proteger" o que escrevo e coloco aqui. Respeito quem assim o faz, no entanto. Direito autoral? Perdemos esse direito quando vemos a finitude. Que diferença vai fazer se alguém vier aqui e copiar algo que achou interessante e publicar como se fora seu? Outros virão e pedirão e citarão a fonte, como foi o caso da Luma. É com esses que devo gastar minha intensidade de vida e não com os desonestos. A eles está, também, guardada a hora da morte. E saberão o que fizeram enquanto vivos forem, e viverão sem se dar conta de que são finitos. A vida é finita e dela sobra algo apenas etéreo, não material: a qualidade.

Neste repensar de um ano de blog, resta isso: a finitude da vida nos dá qualidade de vida.